quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O ANALISTA DO CÓRREGO DO CAVALO - A Semente Misteriosa -

Na região de Santa Albertina acontecem coisas estranhas que deixam as pessoas muito intrigadas. Perto do nosso sítio ficava o sítio do do senhor Vicente, a mãe dele, dona Cida, decidiu plantar, num canto da sua horta, uma semente de manga que ganhara de uma comadre que morava do outro lado do córrego, dedicou atenção àquela semente, pois já havia chupado manga daquela e a achava parecida com mamão, não tinha fiapos, era uma delícia.
Passado um tempo após o plantio, a terra estufou e a semente brotou, o tempo passava e a dona Cida não via hora da família provar daquela manga deliciosa, mas ela ficou abismada ao perceber que o que nascera da semente de manga foi um pé de mamão. Apesar do estranhamento dona Cida entendeu que uma semente de mamão podia ter sido, por discuido, plantada junto e havia sido ela que vingara, mas quando os frutos começaram nascer veio o susto maior, não era nem mamão, nem manga, estava dando melancia, dona Cida ficou muito assustada, como era muito religiosa, devota de Santo Inácio, entendeu que aquilo era coisa do diabo e, junto com um filho Vicente, decidiu arrancar aquela aberração, mas a surpresa foi maior, as raízes eram ramas de mandioca.
Eu sei que é difícil de acreditar, mas quem duvida é só ir ao sítio da dona Cida e do senhor Vicente e eles vão te convencer contando tudo em ricos detalhes dessa história.

O ANALISTA DO CÓRREGO DO CAVALO - O Maior Mentiroso

Edno Cascudo Sarro, mais conhecido como Sarro, era muito conhecido na região de Presidente Prudente, pois vencera, pelo segundo ano consecutivo, o concurso do Maior Mentiroso da Região. Ultimamente ele andava muito aborrecido, pois ficara sabendo que na região de Santa Albertina morava um senhor que era considerado o maior mentiroso, apesar de nunca ter participado de nenhum concurso. Com o intuito de tirar a prova, Sarro se apurrinhou de vez e foi para Santa Albertina, na região foi informado onde morava o afamado mentiroso. Chegando a uma casa simples, no sitio indicado, ele se posicionou à porta, de nariz levantado e peito estufado, para demonstrar segurança, ele bateu forte, ninguém saiu, ele bateu novamente, a porta foi aberta vagarosamente e, logo pode ser visto um garotinho com olhar curioso, aparentando nove anos, que lhe perguntou:
- O que o senhor quer?
- Meu nome é Sarro, sou da região de Presidente Prudente e gostaria de conversar com o senhor Agostinho!
- Ele é meu avô.
- Quero falar com ele.
- Ele saiu e vai demorar.
- Por que você acha que ele vai demorar?
- É que ele ficou sabendo que fugiram algumas abelhas da sua colméia, e ele foi lá contar para saber quantas fugiram.
Nesse instante o assustado Sarro decidiu ir embora, pois entendeu que se o neto com tão novo mente tanto assim, imagina o avô!

sábado, 26 de dezembro de 2009

CONTE UM CONTO

Num final de tarde, dois empresários estavam sentados em poltronas muito confortáveis, dentro de um apartamento com ar condicionado e carpetes macios, na cobertura de um prédio na área nobre da cidade, tomavam vinho francês e jogavam conversa fora. Olhando pela janela observavam lá fora, aquela cidade cinzenta, cheia de arranha-céus, com barulho, engarrafamentos quilométricos, correrias, falatórios, violência, greves, tumultos, enquanto isso, eles lá dentro desfrutavam daquele maravilhoso ar ambiente, ouvindo músicas clássicas, teciam comentários de como estariam os caipiras num final de tarde como aquele.
- Lá é só tranqüilidade, ouvindo o cantar dos pássaros, pitando seus cigarros de palha, contemplando a beleza do entardecer, tomando café no bule, que fica sempre quentinho sobre o fogão a lenha e... - Não chegou a concluir quando o outro emendou:
- Não vejo assim!
- Como não vê assim!?
- Não vejo tanto marasmo, imagino diversos caboclos reunidos ao entardecer numa vendinha à beira de uma estrada poeirenta, eles rindo, falando da roça, do tempo e contando muitos causos...
- Causos, o que são causos?
- Não me diga que você nunca ouviu falar de causos!
- Já, mas devo ter me esquecido, o que significa?
- Ora, os caipiras chamam de causos as histórias que contam; na literatura são conhecidos por contos.
- Contos! Eles saem com tanta abundância assim!?
- Ora, eles saem naturalmente, fazem parte das conversas.
- Como sabe disso?
- Eu nasci num sítio e fui várias vezes com meu falecido pai à venda e, por diversas vezes, ficávamos horas ouvindo os causos.
- Para ser sincero, não acredito que eles saiam com tanta facilidade, se assim fosse, um escritor poderia participar de algumas rodas de conversas e já teria material para um livro!
- Pode acreditar que teria, e tem, tanto é que alguns escritores da nossa literatura fizeram isso, dentre eles o grande Guimarães Rosa que resultou na obra-prima Grande Sertão: veredas!
- Não quero me apresentar descrente, mas só acredito vendo!
- Pois bem, se é assim podemos ir até lá! Aceita o convite?
- Aceito. Digo mais, podemos sair amanhã bem cedo.
- Certo, amanhã à tarde já estaremos no Córrego do Cavalo, em Santa Albertina, lá na venda do seu Neco você vai comprovar o que digo.
O Sol não havia acordado e os dois já estavam prontos para a longa viagem. Uma forte garoa cobria aquela cidade cinzenta, os arranha-céus frios, ainda dormiam. Pouco tempo de viagem, nem haviam saído dos limites da cidade, um Sol amarelo opaco começou surgir no horizonte, semáforos, carros por todos os lados, um mar deles, buzinas, gritos, apitos, sons altos, palavrões, batidas, engarrafamentos, gente para todos os lados, ônibus lotados surgem apressadamente, parecendo querer atropelar a todos. Carros parados, estragados, sem gasolina, filas intermináveis, um detalhe pode ser observado, apesar do calor, mesmo o carro que não tem ar condicionado, está com os vidros fechados, é o medo dos assaltos. Agora visivelmente a cidade está acordando para valer, está a mil.
Três horas da tarde, o céu azul estava cheio de nuvens brancas como montes de algodão, um sol lindo, muito brilhante, dava mais cores àquela paisagem exuberante, o horizonte parecia engolir aquela estrada poeirenta e cheia de curvas, rodeada por arvoredos, morros e uma paisagem belíssima, digna dos melhores pintores, de quando em vez, a passagem do carro provocava uma revoada de pássaros, interrompendo sua refeição de sementes e insetos, tudo aquilo já demonstrava que eles estavam próximo à venda do seu Neco, destino final da viagem. Agora vários trechos com plantações agrícolas e sítios cheios de gado começavam a surgir, pássaros em revoada, a paisagem era bem diferente daquela a que eles estavam acostumados.
Não demorou muito e já estavam defrontes à modesta venda do seu Neco. Na chegada os cumprimentos de velhos amigos:
- Nestor, há quanto tempo não aparece por essas bandas!
- É, são mais de 17 anos vivendo enfurnado na cidade grande. Ah! Estava me esquecendo, este é meu amigo Celso.
A sessão relembrar continuou enquanto seu Neco servia um delicioso pão com fatias de mortadela e uma garrafa de tubaína, por aquelas bandas, um sanduíche tradicional.
Ao entardecer peões, chacareiros, sitiantes, enfim, os moradores daquela região começaram a chegar, vinham a cavalo, de bicicleta, a pé, tirando seus chapéus de palha, batendo nas calças empoeiradas, vinham sozinhos ou acompanhados, surgiam de todos os lados. Uns compravam produtos para levar para casa, outros apenas pediam uma dose de pinga, conhecida por “mata-bicho”, em seguida pediam um naco da lingüiça defumada, que estava dependurada num arame, e iam sentar num banco de madeira fora da venda e a prosa tem início. Nestor e Celso perceberam que era hora de tirar a prova de suas teimosias. Dirigiram a um grupo que conversava animadamente, pediram licença para sentarem-se juntos, todos se entreolharam desconfiados, mas educadamente concordaram. A princípio se sentiram incomodados com as presenças daqueles senhores de traços refinados, mas como não fizeram perguntas e nem começaram nenhum assunto, os homens do local reiniciaram seus diálogos, falavam das plantações, do gado, da pouca chuva, Celso já desconfiava que os ditos causos interessantes não eram tão comuns assim, mas a palavra chuva fez o Cardoso, um senhor alto, de bigode farto, lembrar de um fato:
- Olha, falando em chuva, eu nunca tinha visto uma como a que desabou no córrego do Macaco, onde eu morava antes de vir pra cá! Era um lugarejo com poucas casas, uma vendinha, uma farmácia pequena, uma igrejinha perto da praça e um campo de futebol. Num certo período choveu tanto no lugarejo, mas tanto que até as casas já estavam encolhendo e as pessoas embolorando. Depois de quase duas semanas de chuva constante, finalmente ela parou. As pessoas começaram a sair das suas casas, foi quando o filho do Tonico Roxo deu um grito avisando a todos de uma coisa estranha que ele havia visto. Com os berros do garoto todos nós corremos até lá. Para o nosso espanto, quando lá chegamos, vimos o garoto apontando para uma enorme bola branca em cima de uma árvore que ficava atrás da venda do seu Justino. Ficamos espantados com aquilo, cada um falava uma coisa, algumas pessoas mais curiosas subiram na árvore, cuidadosamente chegaram perto da bola branca e tocaram nela, era assim, macia, mas firme. O Nelson Araponga disse que, com certeza, era um disco voador e que a qualquer momento iria abrir uma portinhola e sairiam uns homens baixinhos e verdes, outros falavam que era um ovo de dinossauro que havia caído de outro planeta para onde eles foram. As discussões continuavam intensas, foi quando chegou o filho do Tonico Roxo, trazia consigo uma vara de bambu comprida e com a ponta em forma de espeto, alguns curiosos ralharam com o garoto, mas como a curiosidade é amiga do imprudente e sempre maior que o medo, valia a pena arriscar, até porque o risco maior seria do garoto, assim permitiram que ele espetasse a bola, todos se afastaram, o garoto apontou com bastante sofreguidão aquela enorme vara e, com determinação, empurrou-a para cima em direção à bola branca, quando a vara penetrou-a, nesse instante ouviu-se um estrondo muito forte, foi um “cabruuum” demorado, o garoto foi atirado longe, bem como todas as pessoas que estavam mais próximas, a bola havia estourado. Depois do susto e de se avaliar que ninguém havia se ferido gravemente, começou-se a especular sobre o ocorrido e o que era aquilo, finalmente Tonhão da Farmácia definiu a questão, o que foi aceito por todos, a bola branca na realidade era um trovão que caíra sem estourar.
Nesse instante as pessoas que estavam no grupo ouvindo a história se entreolharam, o senhor Eugênio olhou para o Cardoso e perguntou:
- Compadre, isso não é invenção, não?
- O que! Tá duvidando? Eu juro pela minha roça, que não chova nela por um ano se for mentira.
Nesse instante o Sabiá, um jovem agricultor, aproveitou para contar que lá no sítio em que morava com os pais, há muitos anos atrás, seu avô contava que, nas noites de lua cheia, aparecia um navio, daqueles com mastros e gente num baldinho que fica em cima dele, então, ele sempre navegava lá no córrego Escuro que ficava no fim do sítio...
- Mas, Sabiá... um navio no córrego Escuro! Não é muito, não!?
- Meu vô não mentia não, ele contava que o bichão estava lá porque o Capitão, que havia sido um homem muito bom, mas um dia a tripulação se amotinou... - a história seguiu, e logo veio outra.
Foi ai que o Dr. Celso chamou o amigo Nestor, apertou-lhe a mão, deu um sorriso e comentou:
- Admito, essa aposta você venceu com louvor!

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

OS AZARES DE UM SORTUDO

O senhor Hilário, num golpe de sorte, ganhou um caminhão Scânia num sorteio realizado por um posto de gasolina, foi uma festa só. Ele que era motorista de táxi, agora tinha a chance de se tornar motorista de uma carreta, sonho que acalentava desde de criança, além de tudo, poderia melhorar de vida, pensou:
- Farei viagens e mais viagens, farei carretos por esse Brasil afora, vou sair dessa vidinha, conhecer lugares maravilhosos! Que sorte a minha!
Depois de regularizar a documentação da carreta, iniciou sua tão sonhada vida de caminhoneiro, estava muito orgulhoso.
Na sua segunda viagem, quando atravessava a linha de trem que cruza a rodovia, por descuido, não viu o sinal de alerta, e o som do rádio não o deixou ouvir o apito do trem, o choque foi fatal, a carreta ficou retorcida. Hilário, com várias escoriações, acompanhou o reboque que levou a carreta ao amigo Valdemar, seu mecânico de confiança. Qual não foi a surpresa quando o mecânico disse:
- Não vai ser possível consertar sua carreta, posso fazer dela um caminhão menor.
Hilário ficou indignado, esbravejou, resmungou, mas não teve opção, aceitou a proposta.
Uma semana depois o seu caminhão já estava pronto, imediatamente ele começou refazer seus planos:
- Bem, continuarei a fazer fretes, agora vou levar cargas menores, e tudo bem.
E assim ele seguiu o traçado, tudo estava indo muito bem até que num dia chuvoso, seu caminhão derrapou e foi parar na outra pista e capotou duas vezes, parou com as rodas para cima. Hilário teve muita sorte, saiu com apenas alguns arranhões, mas seu caminhão ficou num estado lastimável. Novamente foi rebocado ao mecânico que, depois de analisá-lo, chegou à conclusão:
- Não é possível reformar o caminhão, posso fazer um caminhão três quartos.
Hilário novamente entrou em desespero, esbravejou, socou o ar, andou de lá para cá, não adiantou, acabou aceitando.
Quinze dias depois o caminhão três quartos já estava pronto e Hilário voltou a fazer planos:
- Bem, agora vou fazer pequenos carretos, viajarei menos, ficarei mais com minha família e tudo bem.
Tudo começou a correr como o planejado, Hilário estava, na medida do possível, contente, mas a fatalidade voltou a freqüentar a cabina de seu caminhão. Numa curva da estrada, um caminhão vinha fazendo uma ultrapassagem irregular e chocou de frente. Novamente a sorte estava do lado do Hilário, ele saiu com algumas fraturas, mas seu caminhão...
- É com tristeza que eu lhe informo: não será mais possível fazer um caminhão três quartos. – Diz o mecânico. - Posso fazer uma caminhonete
- O quê? Você está me gozando, diga que está!
- O pior é que não estou!
O sangue ferveu e Hilário já ia fazer um escândalo, sentou, respirou fundo e preferiu calar-se.
Doze dias depois da entrada na oficina a caminhonete estava pronta, Hilário voltou a fazer planos:
- Bem, agora estarei definitivamente, mais próximo da minha família, farei apenas carretos nos limites do município e tudo bem.
Tudo corria dentro do planejado, Hilário levava uma vida tranqüila, mas o destino pregou mais uma das suas, numa tarde, depois de sair de um bar e de ter tomado alguns goles a mais, um poste veio violentamente ao seu encontro, novamente sua vida estava salva, mas sua caminhonete não tivera a mesma sorte. Na oficina mecânica:
- Seu Hilário, não vai mais ser possível refazer sua caminhonete.
- Como não!?
- É o que eu disse, posso fazer apenas um fusquinha. – Essa foi a gota d’água.
- Agora você exagerou! Eu tinha uma carreta e vou terminar num fusquinha! É demais .
Hilário falou, reclamou, esbravejou... resultado, dez dias depois o fusquinha estava pronto. Quando foi retirar seu carro Hilário estava um tanto desanimado, mas tinha que continuar a vida e logo iniciou novos planos:
- Bem, agora terei uma vida mais tranqüila, voltarei a trabalhar como taxista e, aos finais de semana, irei passear com a família e tudo bem.
Foi o que aconteceu, tudo estava indo muito bem, mas num certo final de semana saiu com a família, foi pescar num rio próximo à cidade; quando voltava do passeio, o carro deslizou no cascalho da estrada e rolou barranco abaixo indo parar dentro do rio. Novamente Hilário sai com poucos arranhões, mas dessa vez o destino foi mais duro, a mulher e o filho não tiveram a mesma sorte, morreram. O fusquinha também foi outra vítima fatal.
Lá estava novamente, Hilário, o fusca arrebentado e o mecânico:
- É seu Hilário, o estrago foi grande, só vou poder fazer uma motocicleta.
O pobre Hilário estava tão desconsolado que não teve força nem de brigar, só balançou a cabeça concordando.
Oito dias depois a moto estava pronta, Hilário traça novos planos:
- Bem, já que o destino quis assim, agora serei um rebelde, a cidade acaba de ganhar mais um motoqueiro, não tenho outras preocupações, minha vida será uma eterna aventura e tudo bem.
Quase foi, não fosse um sinal fechado que Hilário teimou em cruzar, um ônibus não conseguiu frear a tempo, resultado, ele internado com várias fraturas e a moto levada ao mecânico por uma caminhonete.
Quando Hilário saiu do hospital, foi direto à oficina mecânica e lá recebeu a notícia:
- Já vou alertando, moto não dá mais para fazer, posso fazer uma bicicleta.
- Bicicleta? Bicicleta!... Você está brincando comigo, diga que está!
- Não estou, digo novamente, só posso fazer uma bicicleta.
Agora Hilário estava realmente bravo, chamou o mecânico de incompetente e saiu resmungando. Como podia uma carreta acabar em uma bicicleta. Dois dias depois voltou e já foi perguntando:
- Bicicleta!?
- Bicicleta.
- Tá bom, então faz.
Quatro dias depois a bicicleta estava pronta, Hilário fez novos planos:
- Bem, já não tenho mais nada mesmo, pelo menos vou economizar gasolina e fazer exercício, e tudo bem.
Num belo dia de sol, quando estava saindo de casa, com o pensamento distante, não percebeu uma carreta que se aproximava velozmente, pimba! Hilário foi jogado longe, a roda da carreta passou sobre a bicicleta. Hilário sofreu pequenas escoriações, já a bicicleta perda total.
- Olha seu Hilário, já vou adiantando, só posso fazer uma espingarda com sua bicicleta.
Hilário desatou a rir e não parava mais, o mecânico já estava até preocupado, o homem enlouquecera de vez:
- O senhor não está se sentindo bem!?
- Estou rindo de raiva, isso é raiva. – E continuou rindo.
Três dias depois já estava saindo com sua espingarda e começou a renovar todos os seus planos e, diga-se de passagem, muito a contra gosto:
- Bem, agora vou para o meio do mato e vou viver caçando, não quero mais nem ver cidade grande, vou viver de caças e tudo bem.
E assim ele fez, foi viver no meio do mato, mas a espingarda não estava encaixando direito, quando foi dar o primeiro tiro - a fatalidade - a espingarda estava inteira, mas o cartucho ao invés de sair para frente voltou e acertou a testa do pobre Hilário.
Moral da história: “Não faça do seu veículo uma arma, a vitima pode ser você”.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

AO ANOITECER

Um jovem casal passava férias com seus dois filhos, escolheram, por recomendações de amigos, uma pousada cercada de montanhas com um rio cortando-as e que ficava a pouco mais de duzentos metros da pousada, além de uma linda cachoeira que descia de um dos lados da montanha, muitos coqueiros e palmeiras completavam aquela paisagem belíssima.
No segundo dia de estada naquele paraíso, Lincoln caminhava vagarosamente pelo verde gramado próximo aos alojamentos da pousada, começava anoitecer, o Sol muito vermelho sumia, engolido pelo horizonte, as multicores do céu davam mais beleza aquela paisagem. Passando defronte a capela que fica dentro da área que compunha a pousada, Lincoln sentiu um forte desejo de entrar um pouco, a capela sem portas estava permanentemente aberta, convidando os freqüentadores do local a agradecer o Criador por ter feito um lugar tão bonito.
Lincoln estava sentado com os olhos fechados quando ouviu passos vagarosos, alguém adentrava ao santuário, logo um leve arrastar de banco e tudo ficou quieto, Lincoln abriu os olhos, virou-se e notou ser um senhor com mais ou menos setenta anos e já se encontrava orando, ficaram assim durante alguns minutos. Após suas orações o velho levantou-se do banco onde estava e veio sentar exatamente no banco onde o Lincoln se encontrava:
- Estou incomodando?
- Ah! Não, não está, já terminei minhas orações. – A princípio Lincoln estranhou a vinda daquele senhor ao seu banco, pois haviam tantos outros desocupados.
- Vem sempre aqui?
- Não, é a primeira vez. E o senhor vem sempre?
- Vinha mais, hoje em dia dependo muito de quando minha filha pode vir, ela trabalha muito, dificilmente tem tempo!
- Só tem ela!
- Não, tenho mais dois filhos, dois rapazes, mas não moram no Brasil, se formaram e foram trabalham no exterior.
- Muitas lembranças?
- Muitas meu filho... – O velho dá uma pausa – muitas mesmo!
- Boas ou ruins?
- Boas, todas muito boas! Inclusive, ontem e hoje estive observando sua família e lembrei da minha, você tem dois filhos e uma bela esposa.
- É, tenho um filho de sete anos e uma filha de quatro.
- E a esposa!
- Ah! É, minha esposa... estamos casados a nove anos.
- Algo não está bem entre vocês?
- Está tudo bem sim – pausa - porque o senhor pergunta?
- É que eu estive observando a movimentação nesses dois dias, é o que um velho pode fazer de melhor, observar, e não pude deixar de notar que vocês estão sempre distantes.
Primeiro Lincoln ficou meio constrangido por falar de sua intimidade, mas aquele senhor transmitia tanta paz e segurança que resolveu se abrir:
- Nosso relacionamento esfriou muito! Nós viemos para cá tentando nos dar uma chance, mas percebo que não dá mais não...
- Isso é muito triste, o fim de um amor é triste... – O velho falou pausadamente e calou-se.
- É realmente, eu amei muito minha mulher, mas de alguns anos para cá, nós nos afastamos, a rotina no casamento, a correria do dia-a-dia: trabalho, cursos, filhos, viagens a negócio, encontros com amigos; ela também trabalha fora, está tudo muito difícil – Lincoln abaixa um pouco a cabeça e completa – tem também outras mulheres... – cala-se.
- É, quando o amor é bonito vale a pena investir, vale qualquer sacrifício.
- O Senhor fala com muita convicção. Chegou a viver problemas no seu casamento?
- Claro que sim. Eu me casei muito apaixonado, minha esposa era maravilhosa, tão bela quanto a sua, a gente se entendia muito bem, tivemos três maravilhosos filhos, com o tempo ela se tornou apenas mãe e eu pai, nossos diálogos foram reduzidos a problemas caseiros: filhos, escola, contas, daí em diante tudo desandou, eu que nunca havia traído minha esposa, não resisti aos encantos de uma colega de trabalho, e assim foi durante algum tempo. Um dia cheguei em casa depois do barzinho com os amigos, minha esposa me comunicou que iria fazer uma viagem com as crianças e que iria ficar um tempo sozinha para pensar sobre nós, nesse dia eu percebi que estava perdendo minha família e a mulher que tanto amara. Fiquei entre deixá-la partir e assumir a outra em definitivo, mas algo dentro do meu coração pedia uma nova oportunidade, era mais forte que a minha razão, foi então que pedi que me desse mais uma chance, sugeri que fizéssemos uma viagem juntos, ficando só nossa família e, se depois de tudo se ela achasse que devia partir eu não impediria. Á princípio ela relutou, dizia já ter tentado de tudo e que já havia tomado a decisão, nesse momento eu percebi que estava perdendo a chance de ser realmente feliz, resolvi que despojaria de qualquer orgulho e implorei, pois sabia que quem mais errara havia sido eu. Ela aceitou e nós viemos para este lugar, na época ainda era uma propriedade de um amigo, era tudo muito rústico, ficamos só nós, durante o dia íamos ao rio pescar, passeávamos a cavalo, tomávamos banho de cachoeira, fazíamos caminhadas, jogávamos bola, à noite jantávamos, acendíamos uma fogueira no terreiro da casa ficávamos inventando jogos e contando histórias. Via meus filhos correndo alegres e a alegria dos meus filhos e o belo sorriso da minha esposa me davam a certeza de que havia tomado a decisão certa. Resolvi investir em nós, conversamos muito, falei tudo o que eu não gostava e o que me deixava chateado, ela por sua vez também não deixou barato, fiquei sabendo tudo o que ela pensava sobre mim, percebi o quanto havia machucado-a, o quanto machista fora, foi tudo muito bom. Quando voltamos para casa nosso relacionamento mudou muito, estávamos mais unidos, mais fortes... – o velho dá uma pausa.
Lincoln se identifica muito com a história e resolve saber mais:
- E quanto à outra?
- Percebi que não a amava verdadeiramente, ela era apenas uma fuga, eu buscava a jovem que eu conhecera e que se tornara mais mãe que esposa, talvez mais por uma visão minha.
- E a relação de vocês com este lugar foi só naquela vez? Lincoln, na realidade estava usando essa pergunta para saber mais sobre a história do velho.
- Bem, depois daquela vez passamos a vir aqui com mais freqüência – nesse momento o velho pára, vira o corpo e fita o vazio lá fora – quando começo a pensar naquela época posso ver meus filhos correndo de um lado para o outro, os jogos de futebol, as pescarias, como éramos felizes, as idas à cidadezinha próxima daqui, as cantorias acompanhadas pelo violão tocado pela minha esposa. Ainda posso vê-la dando bronca nas crianças e dizendo que eu era tão moleque quanto eles – o velho abaixa a cabeça - ela era muito zelosa, dava broncas e ao mesmo tempo era carinhosa. Percebi a tempo que ela não precisava só de um bom pai para nossos filhos, precisava também de um marido, amante, um companheiro; e olha que isso nós fomos, como fomos! Envelhecemos juntos, vimos as crianças crescendo, primeiro o mais velho foi fazer faculdade na capital, logo o outro ganhou um bolsa de estudo no exterior e também foi embora, apenas minha caçula ficou, fez medicina, ficou na cidade morando e trabalhando. No final ficamos apenas eu e minha esposa, os filhos pouco nos acompanhava nas viagens, mas mesmo a saudade deles não nos impedia de sermos felizes, mas... - Nesse instante Lincoln percebe que uma lágrima teima em rolar pela face do velho.
- Prefere não falar!
- Não, não, eu falo, as lágrimas são de boas lembranças, como estava falando, há seis anos minha amada me deixou – o velho curva a fronte enquanto as lágrimas escorrem pelo seu rosto – ela foi atender o chamado do criador, doeu e ainda dói, mas eu sei que ela está me esperando para nunca mais nos separarmos. Hoje eu venho para este lugar com minha filha, ela vem com sua família e, sabendo que eu gosto muito sempre me convida, quanto aos outros filhos pouco aparecem, estão sempre muito ocupados.
- O senhor considera que tudo valeu a pena?
- Se valeu! Hoje eu tenho consciência que a vida é feita de detalhes e são eles que irão nos alimentar, nos darão força para continuar vivendo, não sou saudosista, tenho boas lembranças e são elas que me impulsionam. São elas que me dão a certeza que a vida valeu e vale a pena. O que me alimenta não são as coisas que não disse ou que não fiz, mas tudo que tive coragem de dizer e de fazer e que fizeram outras pessoas felizes. A minha amada continua aqui, viva, dentro do meu coração, toda felicidade que eu lhe dei e a que ela me deu dá a certeza que a felicidade existe e está sempre do nosso lado, basta tirarmos o rancor, a magoa, o orgulho, os preconceitos, temos que viver livre das amarras e de modismo, devemos ser verdadeiros, não ter medo de viver e de ser feliz, devemos ser felizes nem que seja na marra.
- Será que eu posso ter uma historia tão bonita quanto à do senhor?
- Com certeza não. Cada um faz sua história e ela pode ser melhor ou pior, mas é a sua historia. – O velho dá uma pausa na conversa - Desculpe-me, vim aqui, atrapalhei suas orações e fiquei falando o tempo todo!
- Não, não está atrapalhando, foi muito bom ter ouvido sua história.
- Bem tenho que ir, minha filha já deve estar me esperando para o jantar, meu genro é impaciente e amanhã levantamos cedo para viajarmos de volta. Os dois se levantam caminham silenciosos até fora da capela.
- Está uma noite muito bonita, uma linda Lua cheia, inspirativa, diria! Bem, vou chegando, boa noite! - Despede-se o velho.
- Boa noite! - Responde um Lincoln contemplativo.
O velho sai caminhando em passos lentos deixando atrás de si um homem pensativo, aquela história havia mexido com Lincoln. Ele ficou ali mais alguns minutos enquanto observava o velho seguir seu caminho sendo iluminado pelo clarão da noite enluarada.
- Boa noite, amor!
- Onde esteve até agora?
- Andando por ai.
- Sozinho!
Lincoln não respondeu, aproveitou que as crianças não estavam por perto, puxou sua esposa para junto de si:
- Eu já disse que te amo muito!?
- O que houve? Há muito tempo que você não age assim!
- Pois então pode ir se acostumando, agora vai ser assim! Lincoln abraçou forte a esposa e deu-lhe um longo e ardente beijo.

domingo, 8 de novembro de 2009

CONFLITO MUSICAL

Doutor Eduardo viajou quatorze horas para buscar seu filho que está residindo na região norte do país, ele não o encontra há mais ou menos quatro anos. Eduardo viu o filho quando ainda tinha onze anos, depois da separação conjugal passou a residir em São Paulo, voltou apenas uma vez para visitá-lo, isso foi no primeiro ano de separação, depois apenas conversava esporadicamente com o filho pelo telefone, mas começou a perceber que as conversas estavam a cada dia mais frias, no ultimo ano a ex-esposa vinha reclamando que o garoto não estava andando em boas companhias e se apresentava bastante rebelde, diante de tudo que ouviu decidiu então que buscaria o filho para passar alguns dias com ele, como a mãe do garoto não fez objeções ele decidiu, juntamente com a nova companheira, que assim seria.
Depois do encontro com o filho, de constatar que o garotinho crescera e estava um rapaz de quinze anos, quase mais alto que ele, alguns pircins no nariz e sobrancelhas, brincos nas orelhas, várias tatuagens pelos braços e roupas extravagantes, achou tudo muito estranho, para não começar mal o encontro, preferiu ficar calado. Em seguida iniciou a viagem de volta, pouco tempo de estrada e um silêncio total. Para quebrar o gelo Eduardo abre uma caixa com CDs e de lá retira um e coloca no cdplay do carro, em seguida faz um comentário:
- Gosta de música?
- Só. – Frase monossilábica denotando aprovação.
- Então vais ouvir um som de qualidade – Começa tocar e o Dr. Eduardo comenta. É John Lennon, ele fez história na música mundial!
Thiago não diz nada parece indiferente a tudo, de repente, enfia a mão na mochila e de lá retira um CD de um grupo de Have Metal, enfia o dedo direto no eject, tira o CD que Eduardo havia colocado com tanta cerimônia e enfia o seu. Eduardo se sentiu ultrajado com a maneira estúpida que aquele rapazola retirou seu CD, mas preferiu calar-se para não criar confusão, afinal, tinha que reconquistar o garoto:
- Saca só coroa, isso é que é som manero! - Um som barulhento parecia querer estourar os tímpanos de Eduardo.
Não aguentando mais, Eduardo retira um outro CD, delicadamente pede desculpas e retira o que estava tocando e coloca o seu:
- Já que você quer falar em rebeldia ouça este – alguns instante tocando e ele comenta – Jhemi Hendrick era demais, tinha um som maravilhoso e era totalmente rebelde - Eduardo nem terminou de falar e Thiago novamente retirou o CD que estava tocando e colocou um outro dos seus:
- Coroa, coroa, você tem que se reciclar está ultrapassado, esses caras aí não são nada, não passam de um bando de velhinhos babões! Pô coroa, cê é careta demais brother!
Eduardo percebeu que o garoto queria tira-lo do sério, segurou-se não queria criar atritos, tinha que se controlar, tentou dialogar com Thiago, mas com o som alto apenas ele falava enquanto o garoto balançava a cabeça acompanhando, adoidamente o ritmo da música. Eduardo perdendo a compostura enfiou o dedo no stop e desligou o som e falou:
- Olha aqui, não quero discutir com você, mas não podemos passar a viagem toda nessa disputa musical, podemos conversar um pouco?
- Qualé veio! Você veio me buscar, estou indo, agora quer o quê? Estabelecer contatos? Vê se me erra, pelo seu gosto musical seu papo deve ser careta pacas!
- Olha aqui garoto vê se me respeita, não esqueça que sou seu pai!
- Depois de se ausentar por tantos anos vem com esse papo de “sou teu pai”, dá um tempo coroa!
- Garoto atrevido, eu... – Eduardo prefere calar-se.
- Taí, já começou! Vai me bater brother! Só falta isso.
Thiago não agüenta o silêncio e para confrontar com o pai retorna o CD Have Metal. Irritado Eduardo não espera muito e aperta o stop, saca o CD joga no colo do garoto em seguida coloca um Milton Nascimento e completa:
- Vamos estabelecer o seguinte, ao menos no carro eu mando e aqui vai tocar o que eu quero, menos esse lixo musical teu. Aplaudindo o garoto saca do fundo do baú um insulto:
- É isso aí cria de ditador, não podia ser diferente, tua formação vem do período da ditadura, não tá negando suas origens né coroa! Que papo típico, “sabe quem manda aqui”? Qualé!
- Olha aqui protótipo de bandido, você já me encheu, e digo mais, coroa é a ... – o palavrão sai bem soletrado. Você com esses brincos, pircins enfiado em tudo que é lugar, essa roupa indecente, esse cabelo imundo está achando que é gente.
Enquanto no Cd play do carro toca Canção da América a discussão continua.
- Se sou protótipo de bandido tem um dedo seu para isso, se minha roupa é imunda e minha aparência é bisonha pelo menos não sou falso, e você, com esse terno fino não passa de um crápula, ou será que acha que é um exemplo a ser seguido!
- Ao menos tenho uma formação que consegui a duras penas, lutando desde de cedo, sendo gente logo na adolescência e não sendo um inútil como você!
- Pra início de conversa, coroa, eu não pedi para vir nessa viagem você que insistiu para limpar sua barra com os amigos almofadinhas, para não continuarem dizendo que o doutor Eduardo todo moralista, abandonou mulher e filho para viver com outra mulher mais nova.
- Mais uma vez, coroa é... e outra, não quero limpar nada, não sei o que sua mãe disse, mas já não nos entendíamos mais e decidi que deveria começar de novo, não pretendia ficar longe, mas..
- Tá achando que vai me convencer com esse papo de advogado de quinta categoria, dá um tempo pra minha cabeça véio...
- Pra ser sincero garoto, você é um saco mesmo, deve ser um estorvo até para sua mãe, talvez por isso que ela te liberou com tanta facilidade!
- Devo ser um estorvo mesmo, só que não pedi para nascer.
- Eu também não queria que nascesse um porcaria tão grande como você, queria uma coisa melhor. - O doutor Eduardo pegou pesado.
- Pára essa merda de carro que eu vou descer!
- Se não viesse a ter implicações com a justiça eu te jogava agora, não só do carro, mas da minha vida.
- Tudo bem então eu pulo e resolvo teus problemas
- Seria até um favor, mas quero te levar de volta o quanto antes também não quero você por perto.
Repentinamente Eduardo desliga o som do Cd e um silêncio muito grande se faz naquele local, cada um no seu lado estão se remoendo de ódio, com o silêncio quase dá para ouvir os corações em batidas aceleradas.
O carro continua correndo e Eduardo vai se acalmando e pensando o que deve fazer. Levá-lo de volta? Continuar a viagem e tentar reverter a situação? De repente avista um posto de gasolina com restaurante, já está passando a hora do almoço, com a discussão os dois até esqueceram da fome. Eduardo estaciona o carro, abre a porta faz menção de sair e Thiago continua dentro do carro.
- Vamos almoçar? – convida Eduardo, mas o garoto apenas balança a cabeça negativamente. Eduardo vira-se e vai rumo ao restaurante.
Enquanto almoça Eduardo fica olhando o garoto dentro do carro, de repente ele abre a porta e caminha a esmo, Eduardo começa a ficar preocupado. Thiago caminha vagarosamente olhando para o chão, vai jogando os braços para os lados e o gingado do corpo no estilo largadão, próprio do adolescente.
De dentro do restaurante o doutor Eduardo observa a tudo e, mais calmo, começa a refletir:
- Fui muito rude com ele, tudo bem que ele foi agressivo, mas tem seus motivos! Quatro anos sem visitá-lo, sem estar acompanhando seu crescimento, sem orientá-lo, o que poderia esperar? Que ele viesse correndo, me desse um abraço e dissesse papai querido estava com muita saudade do senhor! - Em seguida se dá um puxão de orelha. - É, doutor Eduardo, você é o adulto aqui, você pisou na bola feio, o garoto queria provocá-lo e você correspondeu! Afinal de contas, está recebendo algo que não mereça? - Em seguida ficou apenas contemplando o garoto sentado num banco próximo a uma bomba de gasolina, de cabeça baixa com uma vareta na mão a riscar o chão. Nesse instante o doutor Eduardo começou a lembrar do tempo em que ia jogar bola e levava o garoto, as idas aos parques e ao clube, ele sempre estava junto e, de repente, tudo acaba. Nesse instante uma lágrima escorre pelo seu rosto:
- Doutor Eduardo, Doutor Eduardo, você tem uma parada dura pela frente, mas vai ter que consertar a “caca” que fizeste? - Pensa consigo.
Depois de almoçar pouco, diga-se de passagem, o doutor passa pelo Thiago, dá-lhe um tapa carinhoso no ombro e convida:
- Vamos embora!
Thiago com muita má vontade levanta-se e caminha preguiçosamente. Ao entrar dentro do carro pergunta:
- Vai me levar de volta para casa?
O doutor Eduardo sai com o carro e demora um pouco para responder ao filho:
- Pensei bastante e achei que seria muito cômodo para mim levá-lo de volta. Sua mãe pode achar que eu estou fugindo da responsabilidade!
- Pode ficar tranqüilo, eu limpo sua barra, prefiro isso a continuar nessa furada!
O doutor prefere calar, não quer continuar a agressão, vai continuar com o projeto de conquista:
- Filho, quero pedir desculpas, eu exagerei, me perdoa!
- Pra você é muito fácil pedir desculpas e esperar que eu esqueça tudo e te dê um abraço carinhoso! Como esquecer às vezes que eu sonhei contigo, acordei chorando e chamando teu nome! Quando fiquei doente e achei que fosse morrer, onde você estava? Nas festas pelo dia dos pais pode imaginar o que eu sentia? Imagina as desculpas que dava quando perguntavam pelo meu pai? Sinceramente preferia dizer que ele havia morrido a falar que eu era um rejeitado.
- Mas, filho, eu e sua mãe não tínhamos mais nada em comum, a gente não se entendia e achamos melhor viver separados a viver brigando.
- Nunca pedi que viesse morar com a gente, afinal de contas isso é problemas de vocês, só não precisava me abandonar! O que você acha que eu senti, a gente morou dez anos juntos, de repente, o mundo desaba, você foi embora e nos esquece. Pô cara! Existe ex-esposa, mas não ex-filho, e mais, você sempre deu mais atenção para a filhinha da esposa nova. Eu te odeio e isso não vai passar fácil. - Thiago para de falar, vira para a janela do carro, coloca a cabeça para fora e fica assim, doutor Eduardo percebe que ele está chorando.
- Thiago, eu... – um advogado que sempre teve facilidade com as palavras parece não ter nada pra dizer. - Filho, tudo que eu disser pesará contra mim, por isso só posso dizer – silêncio e, de repente, com voz embargadam diz. - Eu te amo. – Respira fundo e repete – Se você não ouviu repito: eu te amo!
Thiago continua com a cabeça enfiada no vento fora do carro, faz de conta que não ouviu nada. A viagem segue e agora é só o silêncio que reina. Muitos quilômetros depois:
- Posso colocar um dos meus cds? - Thiago fala sem olhar para Eduardo que quase não acredita no que ouviu, ele não o chamou de coroa, nem de velho e o melhor, pediu permissão para colocar um cd.
- Claro filho, claro! Só peço para não colocar muito alto, pode ser?.
- Falou chefia! - Falando assim Thiago colocou o cd.
O doutor Eduardo está muito feliz, sabe que não será fácil o caminho da reconquista, tem consciência que falhou em deixar que o dia-a-dia servisse de desculpas para não acompanhar mais de perto o crescimento físico e moral do filho. Sabe também que as questões mais traumáticas não serão resolvidas como num passe de mágica, mas, fundamentalmente, com tolerância, inteligência e bons exemplos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

DE REPENTE AMOR - PARTE III

TRILOGIA – AMORES E DESAMORES

Mulheres, ah, mulheres! Como são belas e cheirosas, como são macias e dengosas, são complicadas e tão fáceis de serem entendidas, são quentes e são frias, são amáveis e furiosas, são chorosas, como são chorosas! Também são risonhas, e quando riem é como a primavera com suas flores e seu perfume, como um arco-íris após um dia de chuva. A vida ao lado delas pode ser um paraíso ou um inferno, mas sempre será um grande jardim de rosas de todas as cores, com sua beleza, seu perfume... e com seus espinhos.
Eu vivi as mulheres, eu convivi com mulheres, era um apaixonado por mulheres, mas nunca amei nenhuma em especial. Nunca me imaginei abdicando do direito de ter várias mulheres para viver somente ao lado de uma. Nunca vi as mulheres apenas como um objeto sexual, não, as mulheres sempre foram objetos de devoção eu as tratava assim, dava muito carinho, zelo, cuidados, falava o que elas queriam ouvir e elas me devolviam em carícias e tudo o que uma mulher pode oferecer de melhor a um homem. Sempre caprichei em levá-las aos melhores lugares, gastava sem piedade, para mim não era despesa, mas um investimento que valia a pena. Mulheres! Ah, mulheres! Como são apaixonantes.
Sei que fiz diversas sofrerem, mas também sei que muitas receberam tanto amor como nunca haviam recebido e talvez nunca mais receberam, também sou modesto, perceberam!
Eu já estava marcado por ser mulherengo e era até um homem incompreendido, mas sempre elas se arriscavam, pois sempre há mulher que sonha em fisgar um namorador, e, especialmente os solteirões convictos, mas eu resistia, amor nunca fez parte do meu currículo, talvez quando era adolescente havia sentido algo muito forte, mas ela foi embora da cidade e eu sofri, deve ter sido paixão, foi aquela vez e nunca mais. Quando eu saia da vida de uma ou outra mulher sempre me dava uma ponta de tristeza, mas me consolava nos braços de outras.
Nunca fui contra o casamento, somente sou alérgico a ambientes fechados, por isso nunca pensei em me amarrar a uma mulher, amar não fazia parte do meu vocabulário, ouvi de mulheres e amigos que ainda terminaria velho e sozinho, isso não me assustava, quem garante que você envelhecerá ao lado da pessoa que você ama? Ao mesmo tempo não havia sentido a sensação de um grande amor, porque então me unir a uma única mulher! Para enganá-la? Para exibi-la como um patrimônio somente meu? Eu sempre imaginei que um grande amor devia ser cuidado, zelado, acarinhado, e que deve haver por parte dos amantes sempre a preocupação de saber se o outro está feliz, se não, o que um poderia fazer para o outro ser mais feliz, enganá-la nunca, até por nunca ter amado verdadeiramente, amor para mim era algo superior a tudo, por isso nunca me dispus a sentir isso, achava impossível para mim, eu era um potro selvagem que gostava mesmo era de correr pela campinas sentido o vento da liberdade entrando pelas narinas, aceitava até que belas amazonas montassem em mim, mas sem arreio e muito menos cabresto.
Sempre fui de muitos amigos, festas, bebidas, jogos e mulheres. Outra paixão: a noite, adorava a noite e toda a magia que ela oferece.
Já estava com mais de trinta anos, dirigia uma empresa e estava me mudando para outra filial, numa noite resolvi fazer uma despedida com funcionários e familiares, durante a festa uma namorada, que trabalhava na empresa, estava brava comigo por ter descoberto um outro caso, decidiu não ir à festa. Tudo transcorreu maravilhosamente bem, ao final da festa uma das professoras de cursos, veio até a mim e me apresentou sua filha, uma bela garota, notei que era jovenzinha, soube depois que tinha apenas vinte um anos, cara de anjo, merecia uma atenção especial e eu fui galanteador, ela aparentemente aceitou o jogo, e eu solicitei que gostaria de buscá-la na faculdade para conversarmos mais, ela concordou, na noite marcada eu fui, saímos, fomos a um barzinho, ela muito sorridente, boa conversa, na saída dei lhe um beijo inesperado e ela aceitou, a partir daí passamos a nos encontrar, tudo normal para mim, pois continuava com as outras.
Os dias foram passando e ela sempre uma boa companhia para conversas e para rirmos juntos, mas sempre se mostrando muito difícil, não permitia que carícias “calientes”, eu não estava a fim de forçar nenhuma barra, gostaria que tudo acontecesse naturalmente, como sempre foi com as outras.
O tempo foi passando e eu comecei a não entender porque o que funcionava com as outras não funcionava com ela, não deveria ser assim, percebia que ela gostava de estar comigo, mas então porque se apresentava tão difícil, e eu não queria demonstrar que estava desesperado por não entender aquela resistência, comecei a sentir que estava ficando amarrado, queria cada vez mais estar ao lado dela, a presença de outras já não me satisfazia, aquilo era muito estranho para mim, comecei a ficar preocupado, sentia uma angústia a apertar em meu peito, sua presença me enchia de alegria e ao mesmo tempo de desespero, nunca planejei viver aquilo, brincara com fogo que agora me queimava. E como queimava, ela era o motivo das minhas distrações no trabalho, já a levava para a maioria dos eventos, os amigos de bares e festas começaram a estranhar e alguns até a desestimular a continuação daquele namoro. E aos poucos eu fui me afastando das outras, não totalmente, mas já havia reduzido muito, elas estavam percebendo a mudança.
Em uma viagem que estaria acontecendo em grupo ela foi e eu preferi ficar, sozinho me aventurei com outras mulheres e, no retorno ela ficou sabendo, e se deu o fim do relacionamento, a principio doeu, mas eu achei bom, de repente era a oportunidade para tudo voltar ao que era antes, mas não foi o que aconteceu, eu sai a caça de novas mulheres e elas vieram, mas não me faziam esquecê-la, em cada uma na realidade eu procurava ela, não tinha mais dúvida, era o amor. Como foi difícil admitir isso, era como areia movediça, quanto mais eu lutava para sair, mais me afundava, quanto mais eu lutava para esquecê-la, mais sua presença se fixava em meu coração. Quando decidi lutar por aquele amor ela já tinha outro e eu percebi que perdera chance de viver um grande amor, percebi tarde que trocaria todas por apenas ela, coisa que nunca passou pela minha cabeça: ser exclusivo de alguém, agora já aceitava a idéia. Eu estava amando como nunca imaginei, estava gostando até do seu jeito recatado. Percebi que nenhuma outra tinha o seu sorriso, o gosto da sua boca, seu toque, seu perfume, seu calor.
Decidi que ia recuperar aquela oportunidade de amar e busquei, e como busquei, mas ela estava decidida e irredutível, falava que gostava de mim, mas queria alguém que a amasse de verdade e sem ter que dividi-lo com outras, eu disse que estava mudado, mas meu currículo pesava contra mim, quem acreditaria que eu pudesse mudar, eu mesmo tinha minhas dúvidas. Lutei muito, mas ao final decidi que aceitaria sua decisão, eu acho que nem eu daria nova chance a mim. Seguiria minha vida, aquele amor ainda ocupava todo espaço no meu peito, mas eu fui a luta, passei a sair com outras, não tinha mais o mesmo sentimento, já não me achava tão superior em questão de amor, ao contrário era um homem derrotado, passei a ver as mulheres de maneira diferente, passei a brincar menos com os sentimentos delas, tinha a esperança que ainda encontraria um outro amor e dessa vez não deixaria a chance escapar.
Passado quase um ano, aquele amor ainda estava presente em meu coração, já havia me conscientizado que ela fora a vingança de todas que eu fizera sofrer, sentia que as previsões de envelhecer sozinho já era aceitável, ou talvez me unisse a alguém só para ter uma companhia, mas o destino é interessante, nos encontramos num lugar pouco adequado a um encontro romântico: num consultório médico, eu fazendo exames e ela como estagiária, nos olhamos, eu a parei e inventei um assunto, não tive vergonha de confessar que ainda sofria, mas que havia aceitado meu destino, ela me confessou que havia terminado com seu namorado, despedimos com a promessa de nos encontrarmos como bons amigos. Eu não resisti o impulso de buscá-la na faculdade e passamos a conversar como amigos, mas apenas amigos estava sendo muito doido para mim, com ser apenas amigo de uma pessoa que se ama tanto, mas não demorou muito e decidimos que nos daríamos mais uma chance e tudo terminou numa bela noite de casamento.
Os primeiros meses de casados foram de muito sofrimento, estava aprendendo a viver com uma mulher só, era como abandonar um vício, mas estava disposto a cumprir o que havia prometido, não queria perder aquele sentimento tão bom, digo, bom quando se pode ter ao nosso lado a pessoa amada, mas muito ruim quando não a temos, e eu não queria correr riscos.
No dia a dia do casamento aprendi uma grande lição: é muito mais fácil conquistar diversas mulheres do que conquistar a mesma todos os dias, todos os meses, todos os anos. Quando estamos conquistando novos e novos casos, caprichamos, damos o melhor, mas no dia a dia não temos como enganar por um longo tempo, não tem como cansar e se retirar, não podemos apenas encontrar a pessoa sempre cheirosa, bem vestida e preparada para mais um programa especial, mas é o dia a dia com toda a sua beleza e suas durezas.
Hoje sei que fiz a escolha certa, aprendi a viver a realidade, com suas alegrias, suas tristezas, com suas dores e suas fantasias, mas sempre amor.
Hoje noto que sabia muito de mulheres, mas pouco de amor e amor requer atenção, zelo, cuidados e carinhos, é como uma planta, precisa de todo cuidado para crescer bonita e viçosa.

A Mulher Que Eu Amo - Roberto Carlos

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

UM GRANDE AMOR PARA VIVER – Parte II

TRILOGIA – AMORES E DESAMORES – PARTE II

Eu estava com vinte e poucos anos e já contabilizava muitas mulheres na minha vida, mas já estava ficando angustiado, pois não conseguira ainda viver o tão propagado “grande amor”, mas eu tinha certeza que ele aconteceria e este seria meu objetivo de vida. Eu conheci amigos que trocou um grande amor por quantidade e se arrependeu
Os anos se passavam e eu zombava de amigos que se casavam jovem demais e normalmente se dizendo muito apaixonado, no fundo, confesso, tinha muita inveja, como muitos tinham inveja da facilidade que eu tinha para conquistar mulheres ou para atraí-las, mas no fundo trocaria todas pela tão esperada.
Tornei-me professor universitário, até acreditava que não meio de tantas mulheres daria mais oportunidade à chegada do grande amor, e me colocava a disposição, não me negava a elas, sempre fui muito dedicado, era o mais carinhoso possível: se elas gostam de homem carinhoso, cheiroso e romântico eu fui, namorei sempre mais de uma, queria ganhar tempo. Era sempre gentio, tanto com as casadas como com as solteiras, com o tempo ganhei fama de mulherengo e enganador, isso começou a afastar algumas e eu ficava triste, pois estava dando oportunidade para o azar, meu grande amor poderia ser uma dita certinha, mas eu segui na busca.
Fazia de tudo para impressioná-las, gastava muitas vezes o que não tinha - flores, teatros, cinemas, jóias, bons restaurantes - e, na maioria das vezes, conseguia, mas quando percebia que não era quem eu esperava seguia meu caminho as deixando chorosas, confesso que não gostava dessa parte, nunca gostei de ver mulheres tristes, chorando. Sorrindo elas são mais belas, inclusive, mulheres deveriam sorrir mais, elas não sabem o quanto ficam sedutoras.
Mulheres devem ser tratadas com carinho, muita atenção e dedicação, em contrapartida elas nos dão o que de melhor um homem dedicado pode merecer.
Eu nuca quis apenas usar as mulheres, eu as adorava e, por cima, sempre tive a esperança do grande amor, por diversas vezes imaginei estar vivendo um grande amor, mas bastava aparecer outra e lá estava eu, caído por ela e sendo visto como canalha pelas outras.
Os anos estão passando, não sou mais um garotinho, estou me desesperando, por onde andará a mulher que me foi reservada? Onde se encontra o “meu grande amor”? Será que cometi um erro tão grande que perdi o direito a ele?
Meu nome é Petter, o trecho acima eu retirei de parte do diário do meu mestre e amigo Nill, com era chamado, prefiro omitir seu nome. Eu o conheci quando ele foi meu professor de Sociologia e Filosofia na universidade em que cursava, eu fiquei encantado com seu jeito fácil de se relacionar com as pessoas e, principalmente, com as mulheres, eu cursava História e me prontifiquei em estar perto dele e aprender tudo, sua inteligência e sua facilidade com as mulheres, não foi difícil me enturmar, ele gostava de barzinho e da vida boêmia, amava wisque e vinhos dos melhores, eu não bebia, mas tive que aprender, ele era maravilhoso, sempre o vi com um Dom Ruan, ele sempre ensina a quem quisesse ouvir que um homem deve ser livre e que as mulheres gostam de homens livres, sonham em prendê-los para apresentar às amigas como troféu.
Numa noite estávamos bebendo num barzinho cercado de belas mulheres e uma notícia abalou Nill, ficamos sabendo que uma de suas ex-namoradas havia se suicidado por não aceitar a separação, eu senti que a partir dessa data ele ficou mais reservado e passou a beber mais. Ele já não era tão garoto, estava com mais de trinta e cinco anos, pelo seu exagero nas bebidas foi dispensado de algumas universidades e, passado um tempo, convidou-me a morar com ele, pois estava se mudando para uma cidade nova e estaria dando aula em uma outra universidade, com eu, até então era sustentado pelo meu pai e, agora estava formado e deveria buscar o meu caminho na vida, aceitei.
A casa não era muito bonita, a cidade não era tão grande, mais ou menos sessenta mil habitantes, foi lá que a situação piorou e ele passou a beber mais, nossa casa tinha litros e litros de wisque, muitos livros espalhados e freqüência de mulheres cada vez de níveis mais baixo, ele passou a freqüentar mais bordeis e boates, tinha a honra de dizer que ainda não estava precisando pagar às mulheres. O seu salário já era pouco e ele se encarregava de diminuí-lo com bebidas, como eu o acompanhava também tinha dificuldade em encontrar um emprego que me pagassem bem, era free lance, escrevi para alguns jornais, página na internet, aulas particulares e até jardinagens e pinturas de casas eu fiz.
A primeira e surpreendente descoberta em relação ao Nill foi quando ele me confessou que sua maior decepção foi nunca ter encontrado um grande amor, que se isso tivesse acontecido ele não teria dúvidas em vivê-lo com toda intensidade que um grande amor merece, iria cuidar e zelar tanto dele que poderia até sufocar a amada, nesse dia ele não estava tão bêbado e chorou muito, aquilo me deixou chocado, ele sempre fora meu ídolo, não na bebedeira, mas na independência e na imunidade ao amor, eu comecei a repensar o que estava fazendo com minha vida, pois diferente dele, eu lutava contra alguns amores que costumavam doer meu peito e eu resistia, não queria me mostrar frágil. Daquele dia em diante ele perdeu o medo de falar sobre sua expectativa em busca do tão sonhado “grande amor”.
A segunda e surpreendente descoberta foi quando apareceu uma garota de dezoito anos dizendo que era sua filha, que ficou sabendo há menos de um ano e que decidira buscar seu pai, disse que soubera após uma briga com seus avós, pois fugira de casa pela quarta vez, e se relacionava com pessoas que eles não aprovavam, na raiva a história saiu, o avô contou que sua mãe havia suicidado, ela estava grávida de oito meses e, milagrosamente, conseguiu ser salva. A principio Nill não aceitou a idéia de ter uma filha, brigou, esperneou, tentou expulsá-la, disse que não cuidava nem dele, quanto menos de uma pirralha, mudou até de casa para tentar se livrar dela, mas a linda garota, que mesmo Nill negando, era sua filha, tinha seu jeito, seu olhar e sua determinação, nessa época Nill estava com cinqüenta e um anos, trabalhando pouco, bebendo muito e tendo diversas mulheres a seu dispor, pois, apesar de seus cabelos grisalhos e um pouco mais gordo, continuava galanteador e bonito.
A menina disse que iria mudar sua vida e a de seu pai e foi perseverante, começou jogando toda a sua bebida fora, no que Nill ficou muito bravo, brigaram muito, mas ela era determinada e estava conseguindo domá-lo, eu já via Nill falando com certa preocupação em relação a ela, até expulsando de forma mais grosseira alguns rapazes que ele não achava ideal para ela. Nill começou a exigir que ela concluísse seus estudos, o que a garota relutou muito, já saímos a três e Nill zelava muito por ela, dançavam muito, Nill adorava dançar.
Nill me confessou, estava amando, amando como nunca esperava amar, e, por incrível que pareça um amor totalmente diferente do que ele esperava, amava sua filha, não como homem e mulher, mas como pai e filha.
Algo estava acontecendo comigo também, eu começava a me preocupar e até sentir ciúmes daquela linda garota, percebi que Nill já havia notado, sutilmente ele começou a me dar uma força.
Nill nunca parou totalmente de beber, mas evitava que sua filha o visse bebendo, e ela, por sua vez, quando descobria ficava muito brava. Eu via aqueles cuidados e a achava linda sorrindo ou brava daquele jeito, eu estava amando.
Pouco tempo após a formatura de sua filha, que foi uma grande festa, Nill faleceu de cirrose aos cinqüenta e quatro anos. No dia do seu velório não havia muita gente, destacavam diversas mulheres de preto e que choravam muito, uma garoa fina, de certa forma também chorava por Nill o homem que buscou tanto o grande amor e o encontrou na mulher mais improvável.
Hoje estou casado com a filha de Nill e nos amamos por nós e por ele, uso com ela todas as técnicas de conquista que Nill me ensinou, com uma diferença, não para conquistar outras, mas para conquistar minha amada todos os dias.

domingo, 25 de outubro de 2009

AMOR DO PASSADO - Parte I

TRILOGIA - AMORES E DESAMORES - PARTE I

Meus vinte e um anos não me davam segurança para ter certeza que ela era a mulher para toda a vida. Eu já estava descobrindo os prazeres que podia encontrar em mulheres mais liberais. Ela era pura, santinha demais para as minhas intenções, apesar dos seus dezoito anos, ela que fora criada em fazenda e frequentando igreja, era inocente demais para imaginar que eu já experimentava outros frutos, supostamente, proibidos.
Eu a amava muito, meu coração se enchia de alegria quando a via vindo em minha direção, ela era um anjo, parecia flutuar: sua boca, sua pele, seu cabelo, seu perfume, tudo me encantava, eu amava sua voz rouca, seu sorriso fácil e, por mais que a desejasse ardentemente, eu respeitava sua maneira recatada e sua inocência, não tinha coragem de exigir nada, nem prova de amor, estava tão apaixonado que amava até sua foto que eu carregava na carteira, mas apesar de tamanho amor, não resistia aos encantos e a liberalidade de outras e mais outras.
Estava vivendo a vida adoidamente, mas ela começou a perceber minha vida dupla, talvez alguém tenha alertadi-a, comecei notar que a cada dia ela se afastava um pouco mais de mim, percebia que estava perdendo-a. Ela não cobrava muito, mas era visível que sofria calada, seu sorriso estava triste, ela estava muito magoada e o pior, eu tinha consciência que ela não merecia viver aquela situação, sabia que estava sendo canalha, mas meus desejos eram maiores que minha consciência, a dúvida me deixava confuso: ou me entregar a ela e viver um grande amor e depois me arrepender por tudo que não fizera, ou viver os amores, os prazeres que outras podiam me dar e ver o que o futuro me reservara.
Imaginava que se me entregase totalmente a ela poderia me sentir um pássaro preso em uma gaiola de ouro e, naquele momento, preferia aventuras: voar, farrear, amigos, festas, mulheres, era muito a abandonar, adorava estar com ela, mas sentia inveja dos amigos por estarem livres, leves e soltos. E voei, voei para longe dela, ela ficou, ficou e chorou, apesar do sofrimento aparentava estar preparada, parecia saber que esse momento ia chegar, o pior, ela não tentou me impedir, aceitou resignada.
Eu Sabia que ela chorava, mas não me procurou. Por diversas vezes senti que deveria voltar e ocupar para sempre o lugar que era só meu, mas não voltei, não voltei por sentir que ela era muito pura e eu tão devasso, comigo ela seria infeliz.
Ela continuava morando na mesma casa, na mesma cidade, mas estávamos tão distante, em diversos momentos eu até achei que estava esquecendo aquele amor, isso me dava convicção que havia tomado a decisão certa, encontraria em outros braços o amor que sentia por ela, e quando esse amor chegasse já teria vivido o bastante para querer um amor daquele. - Isso é o que achava olhando pro meu próprio umbigo e imaginando que o mundo girava por minha causa.
Em diversos momentos de preocupação e ciúmes acompanhei alguns namoricos seus, nunca ia longe demais, algumas amigas sempre me contavam que o amor que ela sentia por mim atrapalhava seus namoros, aquilo me enchia de orgulho. No auge da minha arrogância tive certeza que ela não encontraria um amor como o que eu lhe dei, e, se ela esperasse, assim que me cansasse das aventuras, voltaria para ela e assim viveríamos uma bela história de amor.
Não demorou muito e alguém de longe apareceu, logo começaram a namorar, eles não tinham nada em comum, ele era diferente de mim, não daria certo, acreditei que ela continuaria a me buscar em outros amores. Eu estava errado, para minha infelicidade, só fui cair na real quando recebi um convite para seu casamento, entrei em desespero, pensei em procurá-la, mas a dúvida encheu meu coração: ofereceria o que? Dizer que me casaria com ela no lugar dele e abrir mão de tudo? Eu era muito novo, tinha muito a viver, como pensava – havia muitas mulheres esperando para me amar! Não, não iria me deixar aprisionar, então tomei a decisão - não atrapalharia seu casamento - e mais, no meu ataque frequente de egoícentrismo, acreditei que ela estava tentando me substituir, que era uma fuga e ela seria infeliz.
Um dia anterior ao do seu casamento eu viajei, fui fazer turismo, foram dias de boates, mulheres, bebidas, noitadas, amigos, foi maravilhoso, mas eu tive que voltar. Logo que cheguei já vieram me contar que ela estava linda, que ela havia chorado – eu pensava: - Chorou por estar pensando em mim, ela deve ter esperando que eu fosse impedir o casamento!
Por muito tempo fiz tipo, declarava que não me interessava de como ela estava, na realidade, eu não conseguia parar de pensar nela, algo estava saindo errado. Eu segui meu caminho, namoradas, mulheres fáceis, festas, amigos, bebedeiras, quando estava com outra só pensava nela, comecei a perceber que havia perdido o grande amor da minha vida, o pior, tinha notícias que ela estava muito feliz, passei a agir irresponsavelmente, morrer não seria um péssimo negócio, mas tinha que ser de uma forma natural, era tão orgulhoso que não gostaria que ela pensasse que teria sido por ela.
Agora, teoricamente, era um homem livre como um passarinho solto na floresta, estava cheio de amores, mas continuava prisioneiro daquele sentimento e estava caindo na real, ela estava conseguindo viver sem mim, mas eu não estava nada bem sem ela.
Pouco tempo depois do casamento ela se mudou da cidade, foi para bem distante, eu fiquei, o pior para mim, dela só ficou a saudade que fez morada em meu coração, saudade que se tornou minha mais fiel companheira, que dormia ao meu lado e acordava como se fosse minha sombra, era prisioneiro de um amor que reneguei.
Por mais que a procurasse, descobri tarde demais que outros lábios não tinham o mesmo sabor, em outros braços não encontrava o mesmo calor, por querer diversidade perdi a chance de viver o verdadeiro amor. Ela se tornou o passado mais presente do meus amargurados dias.
Os anos foram passando e eu a buscava em cada novo caso, depois de muito procurar acabei me unindo a alguém que imaginei ser um pouco parecida com ela, mas não adiantou muito, foi mais uma pobre vitima que cruzou meu caminho, hoje sei que ela sofre, sei que ela me ama, eu me esforço, mas não consigo ser inteiro, a maior parte de mim continua com o amor do passado.
Qualquer música que ouvíamos juntos, lugares que conhecemos e até cenas de filmes que vimos é uma parte dela a me punir. Tenho impressão que hoje a amo mais que amava naquela época, não se passa um dia que eu não pense nela. Hoje sei que na dúvida e na arrogância eu arquitetava meu próprio castigo. Ontem eu a fiz chorar, hoje quem chora sou eu.
Você amigo, pode até me perguntar: - Por que não a procura e tenta dar-lhe esse amor? Eu lhe repondo, eu perdi esse direito, perdi a melhor parte da história ou de construir uma história com ela. Sei que merecidamente ela é feliz, enquanto eu sofro. Depois de conhecer a parte que me coube na minha história percebi que perdi a chance de ser verdadeiramente feliz.
Perdoem-me as mulheres que me tiveram depois dela, não consegui ser inteiro, pois sou apenas o resto de um lindo amor, que por medo, ambição e egoímo perdi o direito de vivê-lo.
* Essa história é fictícia e serve para uma reflexão:
Um passado longínquo sempre nos dá a impressão de que seria melhor que o presente. Acredito que o dia a dia desgasta os relacionamentos e nós nos fixamos em uma idéia fantasiosa que aquele amor do passado teria dado certo, seria o amor para toda vida. Se assim fosse todos que se casam com o amor da juventude ficariam unidos e felizes para sempre.
Talvez, quem sabe e tantas outras dúvidas pode ser a nossa dificuldades em vivermos por inteiro e sem medo cada momento da nossa vida para não nos arrependermos depois. Invista na pessoa ao seu lado para não descobrir que mais uma vez, deixou passar um grande amor.

Amor I Love You - Marisa Monte e Arnaldo Antunes

UM PALMEIRENSE NA TORCIDA CORINTHIANA

Rafael Taveira Sarro, conhecido como Rafa, um jovem franzino de dezenove anos, palmeirense apaixonado, desce do lotação apressadamente, vai correndo em direção ao estádio do Morumbi, está atrasado para o clássico de maior tradição e rivalidade do futebol paulista, porque não dizer do Brasil: Palmeiras joga contra seu arqui-rival Corinthians, é o tipo de jogo que não acontece por si só, traz consigo anos de tradição e rivalidade; são histórias e mais histórias que cercam esse clássico, o confronto não é só em campo, mas também entre os torcedores, a derrota de qualquer uma das equipes é a mesma sensação de perder uma final de campeonato.
Pelos gritos das torcidas Rafa imagina que o jogo deva estar disputadíssimo, não pôde vir antes, tivera um compromisso inadiável, com isso perdeu a companhia da sua galera. Chega correndo e entrega o ingresso comprado antecipadamente, passa por uma revista e logo está subindo os degraus que dão acesso ao campo, vai muito apressado, de repente, como num passe de mágica, lá está o campo, jogadores correndo de um lado para o outro, enquanto dirige-se ao local onde irá sentar, não tira os olhos do campo, o Palmeiras está no ataque, a bola de pé-em-pé, já está na grande área, o jogador palmeirense chuta e ela bate na defesa corinthiana, volta ao pé de um atacante palmeirense, Rafa caminha como se estivesse hipnotizado, não desgruda os olhos do campo. Novamente a bola bate num jogador do Corinthians e sai para escanteio, o coração do jovem Rafa parece querer sair fora do peito, está mais acelerado que carro de Fórmula 01 na reta final. O jogador bate o escanteio, a bola é cabeceada e choca-se contra o travessão do gol Corintiano, sobe e sai. Rafa com os olhos grudados no lance, passa as duas mãos fortemente pelos cabelos e dá o famoso, uuuh! Nesse instante começa ouvir gritos, palavrões e mais palavrões, do tipo que a censura não permitiria detalhar aqui, Rafa se pergunta: - para quem seria tudo aquilo? Quando olha a sua volta, percebe que foi parar no meio da torcida Gaviões da Fiel, do Corinthians; porco imundo - é elogio comparado ao restante do que estão dizendo sobre ele. E agora? Pensa em correr, não tem mais jeito, em instante encontra-se cercado por dezenas de torcedores do Corinthians, sente que é seu fim, será que vão jogá-lo para baixo? Rafa está desesperado, sabe que cometeu um erro fatal. Os torcedores avançam sobre ele como pitbulls, o pequeno Rafa põe a mão sobre a cabeça, sabe que só um milagre pode salvá-lo, não havia nenhum policial por perto, os outros torcedores da arquibancada gritam como loucos:
- Mata, mata!
- Esfola.
- Joga pra baixo.
De repente um crioulo de mais ou menos dois metros de altura, interpõe-se aos outros e pede que parem, ninguém ousa desafiá-lo:
- Deixa comigo, este é meu.
Rafa olha para o crioulo e o sangue parece ter ido todo para o calcanhar, já começa imaginar os pais e amigos chorando no velório dos seus restos mortais, isso mesmo “restos mortais”. Os braços do crioulo corinthiano parecem duas toras, em cada bíceps uma tatuagem mais horrenda que a outra. Se aquilo tudo era para impressionar alguém... já havia conseguido, Rafa estava desesperado.
O crioulo segurou forte a gola da camisa do pobre Rafa, olhou-o com raiva e disse:
- Olha aqui, porco nojento, você vai se sentar ao meu lado, eu juro pela minha mãezinha, se durante o jogo você não levantar uma sobrancelha sequer para vibrar com seu time, ao final da partida você está livre, caso contrário, não sai vivo, certo!? Rafa engoliu seco, apenas balançou a cabeça. É, realmente a coisa não estava bonita! Rafa senta-se ao lado do crioulo, fica imóvel como uma estátua, quando arrisca um olhar de “rabo de olho” vê metade da torcida corinthiana com olhares flamejantes, louca para triturá-lo, volta e recolhe-se na sua insignificância.
O jogo prossegue com lances belíssimos dos dois lados. A cada jogada uma ou outra torcida levanta-se, grita, berra, xinga o juiz, e Rafa está lá, quieto, quase imóvel. Inveja seus amigos que, do outro lado, torciam livremente, agora entendia a palavra opressão.
Um lance perigoso, o jogador do Corinthians ajeita a bola com o braço e chuta, é gol, a massa corinthiana vibra, grita de alegria. Do outro lado a torcida do Palmeiras xinga, vaia, os jogadores correm para cima do juiz, a confusão está armada. O pobre Rafa continua lá, paradão, não move nem as sobrancelhas, por dentro uma revolta terrível, tem vontade de gritar, falar palavrões, mas olha de resvalo e lá esta o paredão humano, sorrindo de orelha-a-orelha, recolhe-se, é melhor para sua saúde. Vivendo toda essa situação, Rafa se põe a repensar a vida, ele que cresceu numa família liberal, trabalha com um amigo do seu pai, um patrão muito tolerante, sempre teve prestígio junto a sua galera, agora se encontra naquela situação difícil, numa escravidão.
Foi no intervalo do jogo que aconteceram os piores 15 minutos que já vivera, foram intermináveis. Como os seus algozes não tinham nada para fazer ou olhar, passaram a infernizar o pobre Rafa, ele virou o centro das atenções, gracinhas de todos os tipos, cascudos na cabeça, apelidos dos mais cabeludos possíveis, quando achava que a tortura havia acabado, logo recomeçava tudo novamente, sua camisa oficial do Palmeira já virara regatas, as mangas eram disputadas a tapas entre os torcedores mais próximo, todos queriam tirar um pedaço, Rafa pensa: – Antes ela do que eu.
O jogo recomeça, com ele volta a angústia, o Palmeiras perdia por um a zero, um gol seria sua vingança, já que não podia escapar do julgo dos seus algozes. A tortura estava chegando ao fim, 45 minutos do segundo tempo, um jogador palmeirense pega a bola no meio de campo e lança para o centroavante, este mata no peito e, sem deixar a bola cair, dá um chapéu no zagueiro, o goleiro sai desesperado, o centroavante, com muita categoria, coloca a bola por entre suas pernas, é gol. A torcida Palmeirense vai ao delírio, fogos, bandeiras agitadas, gritos, é uma festa, os jogadores lá em baixo correm de um lado para o outro, além de ter sido um dos mais belos gols, era o que dava a classificação. Rafa estava lá, silencioso no meio de uma torcida muda e raivosa, ele tinha medo até de se trair com um risinho. Olhou de resvalo e percebeu que o crioulo estava fitando-o com ódio, com muita seriedade Rafa virou-se e murmurou:
- Bonitinho o gol, né! – em seguida voltou ao seu cárcere. Ele teve certeza de ter visto o crioulo sorrir.

O LIMITE DO PODER

A história que vou contar se passou numa pequena cidade do interior, uma cidadezinha igual a tantas outras que você conhece ou já viu pela televisão: uma igreja no centro da praça, duas agências bancárias, uma rua central onde o movimento é maior, bares com mesas de sinuca, dois grandes bancos de cimento junto ao ponto de táxi, onde, além dos taxistas, diversas pessoas ficam ali comprando e vendendo carros, gado, sítios, fazendas e falando da vida alheia, principalmente dos políticos.
Vamos direto ao ponto que ocasionou esta história. Para se chegar à dita cidadezinha há uma estrada ladeada por uma grande plantação de eucalipto este proporciona um aroma maravilhoso aos transeuntes. Várias curvas na estrada oferecem um visual bonito e misterioso, o grande problema é que poucos quilômetros antes de se chegar à cidade há um córrego de águas límpidas e pouco profundo ele corta a estrada e não tem ponte, aí está o problema, apesar do córrego ser raso, quando chove fica quase impossível transitar por ali, uma que as águas se avolumam e outra que o barro fica solto e pegajoso, devido a esse fato, o povo reclama há muito tempo, e, apesar de vários políticos terem prometido construir uma ponte no local, ninguém fez nada até o momento. O povo já não agüentava mais e resolveu dar um basta àquela situação, deu um ultimato ao atual prefeito, este por sua vez, com medo de perder votos, já que as eleições estavam se aproximando, decidiu chamar um engenheiro da capital para dar um parecer e fazer os levantamentos para a construção da bendita ponte.
A chegada do engenheiro foi comemorada com muita festa, foguetório e desfile da fanfarra municipal. Os trabalhos começaram, na cidade não se falava em outra coisa, o assunto da ponte dominava todas as rodinhas de bate papo. Passados alguns dias o engenheiro procurou o prefeito e disse que já tinha o parecer técnico e que gostaria de fazer os esclarecimentos numa sessão da câmara dos vereadores, como havia alguns pontos polêmicos achou por bem que a população também soubesse e entendesse. O prefeito ficou muito curioso, mas preferiu marcar uma bonita festa para comemorar o lançamento de construção da ponte, seria um marco na história do município, pensou o prefeito.
Segunda-feira, às vinte horas em ponto, dia de sessão semanal, o prédio da câmara estava totalmente tomado, nenhum vereador havia faltado, todos presentes para um momento tão importante. O prefeito se fazia acompanhar do vice e do Tonho Pastinha, um sujeito exótico que carregava sempre uma pasta preta embaixo do braço. O médico da cidade também se fazia presente e ao seu lado estava sua esposa, era a própria perua de cidade pequena, tentava aparentar superioridade, que estava muito acima dos problemas daquele povinho. Não faltaram também as esposas dos vereadores, a maioria rodeadas da rencas de filhos, a presença das famílias dos políticos é muito importante, configura um sinal de união e esse fato conta ponto para o homem público na cidade do interior. O único advogado da cidade também estava ali, de óculos escuros parecia mais um espião. O padre acompanhado do sacristão e de três carolas era outra figura que se destacava na festa de lançamento da ponte. Os gerentes dos bancos da cidade também se faziam presentes, afinal de contas eles representavam a opulência financeira. O juiz, outra figura “infaltável” nas solenidades do município, estava ausente tratando de assuntos importantes; na realidade estava cansado de tantas bajulações.
A sessão é aberta, o presidente da câmara aproveita para fazer um longo e cansativo discurso, no que é seguido pelos outros vereadores, afinal, dia de festa é dia para ser aproveitado politicamente, até o único vereador da oposição se fazia presente e, apesar de sempre usar seus discursos para atacar o prefeito, desta feita, até elogiou. Com a população já reclamando da demora e dos discursos enjoativos, o presidente da câmara convidou o engenheiro para ocupar a tribuna, enquanto ele caminhava, fazia-se um grande silêncio naquele lugar, todos estavam atentos. Depois de falar de todo o trabalho desenvolvido, das dificuldades encontradas e como foi possível chegar à conclusão que anunciaria, o resultado foi uma bomba:
- Depois de tudo que esclareci devo informar-lhes que não será possível construir a ponte naquele lugar.
A seguir foi um murmúrio só, estavam todos indignados, esperaram tanto para não dar em nada. Nesse instante um vereador levantou-se e fez a pergunta que todos gostariam de fazer:
- Por que não será possível a construção da ponte naquele lugar?
- Como expliquei, o que nos impede é a lei da gravidade. – Conclui o engenheiro.
Um vereador mais exaltado, querendo dar um basta na “problemática” resolveu oferecer a “solucionática”:
- Se o pobrema é a Lei da Gravidade, nóis derruba essa lei.
O Presidente da Câmara, com seu ar de quem sabe tudo, dá um sorriso irônico e emenda:
- Gostaria de alertar o nobre colega que não podemos derrubar a referida Lei!
O outro vereador indignado com a impossibilidade, volta a questionar:
- Por que não podemos derrubá “a referida lei”, nobre colega?
O Presidente da câmara estufa o peito e arremata com ar de superioridade intelectual:
- Não podemos derrubá-la, por ela ser uma Lei federal.

sábado, 24 de outubro de 2009

O ATRASO DO SOL

Inicia-se o horário de verão, como é de costume, nos primeiros dias as pessoas acordam sonolentas, pois, nesse período do ano adianta-se o relógio em uma hora, assim, quando em outras épocas do ano acorda-se ás sete horas, agora se deve acordar o equivalente às seis horas, para quem trabalha em locais mais distantes é um sufoco, pois quando saem para trabalhar ainda é noite.
O horário de verão começava com tudo, mas aquele dia seria diferente. Os trabalhadores já estavam acordados: a lavadeira já carrega sua trouxa de roupa suja para ser lavada na beira do riacho, o leiteiro já fez suas entregas, o padeiro distribui seus pães quentinhos pela vizinhança, o sapateiro dá suas marteladas em pregos e tachinhas consertando sapatos que ainda irão se arrastar muito nos pés de pessoas que não tem condições de comprar um novo. Bem, pelo que se nota o dia começou a mil...
- Espera aí, não está faltando alguma coisa nessa história? Não vai ser dito que começa um dia lindo e que o Sol brilha com todo seu esplendor!?
- Não, infelizmente não é isso que está acontecendo, nesse dia tudo ainda está escuro, como se fosse chover muito forte. As pessoas levam seus guarda-chuvas, preparadas para o pior. Interessante, os mais atentos podem notar que não há nem um raio a iluminar os céus e nem o barulho típico dos trovões! Afinal, o que está acontecendo!?
Para os mortais era mais um dia, como diz no interior “um dia fechado”. É, pelo que tudo indicava o tempo ia fechar mesmo. Muito além da imaginação humana as coisas não estavam boas para alguém. Não está entendendo? Vamos aos fatos.
Nesse dia o Sol estava chegando atrasado ao serviço, silenciosamente chegava nas pontas dos pés e quando estava preparado para bater o cartão...
- Muito bonito senhor Sol! Isso é hora de alguém de responsabilidade chegar para trabalhar!? – um Velhinho de barba branca e longa, encostado na parede próximo ao relógio-ponto, observava tudo e agora esbraveja:
- Como poderemos ter um dia bonito de verão, como poderemos receber elogios pelo belo dia de sol se o senhor me chega a essa hora para trabalhar! O Sol, vermelho de vergonha, abaixa a cabeça e tenta dar uma desculpa: - Sabe que é Senhor, é que ontem eu... eu. – até tentou justificar, mas Ele continuou a bronca:
- Como pode ser tão relapso, todos lá embaixo já estão acordados e você dormindo até uma hora dessa! Fique sabendo que vai ser descontado do seu salário.
- Desculpe-me Senhor, eu...
- O pior é que a Lua também se recolheu mais cedo, tenho certeza que foi por influência sua, como pode explicar?
Ainda mais vermelho, cabeça curvada em sinal de respeito e arrependimento, o Sol balbucia algumas palavras que saem com sofreguidão:
- Vou contar a verdade, ontem durante o dia, Marte passou por mim e avisou que haveria uma festa na casa da Estrela D’Alva, daí, sabe né... de madrugada quando já estava de saída a Lua apareceu, chamou-me para dançar, relutei, mas, afinal, achei que seria uma desfeita recusar o pedido de uma dama e aceitei ficar mais um pouco, quando percebi, já havia passado da hora.
Pelo jeito a desculpa não foi muito convincente e a bronca foi feia, pois o dia foi daqueles em que as pessoas dizem: - “tá um dia tão estranho”.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A BARATA É A ESPERANÇA

- ... olha, amigo, vou dizer para você, a coisa tá brava! Eu já tou perdendo a esperança!
- Falando nisso, você sabia que o símbolo da esperança é a barata?
- Você abilolou de vez! Eu estou falando de crises financeiras, crise moral, crise ética e você vem com essa palhaçada!
- Relaxa, você está muito estressado! Sem contar que eu também estou falando de um assunto sério, inclusive baseado em dados científicos!
- Só me faltava essa, baseado em dados científico! – Fala em tom de ironia. – Quem é o cientista? Você?
- Tá, vou explicar! Os estudos foram feitos por cientistas sérios, só a conclusão é minha, siga meu raciocínio: - Conforme estudos, pela resistência da barata, resistência a tudo, até a inseticida, e pela facilidade em se esgueirar pelos lugares mais apertados e improváveis, mesmo no caso de uma guerra nuclear, que quase toda forma de vida morreria, a barata teria mais chance de sobreviver, ou mesmo, seria a última a morrer.
- O que isso tem a ver com a esperança?
- Ora, se a esperança é a última que morre, e a barata seria a última a morrer, logo, a barata é a esperança.
- O outro de boca aberta em tom de deboche:
- Tô bobo! A partir de hoje a minha vida não será mais a mesma!