sábado, 26 de dezembro de 2009

CONTE UM CONTO

Num final de tarde, dois empresários estavam sentados em poltronas muito confortáveis, dentro de um apartamento com ar condicionado e carpetes macios, na cobertura de um prédio na área nobre da cidade, tomavam vinho francês e jogavam conversa fora. Olhando pela janela observavam lá fora, aquela cidade cinzenta, cheia de arranha-céus, com barulho, engarrafamentos quilométricos, correrias, falatórios, violência, greves, tumultos, enquanto isso, eles lá dentro desfrutavam daquele maravilhoso ar ambiente, ouvindo músicas clássicas, teciam comentários de como estariam os caipiras num final de tarde como aquele.
- Lá é só tranqüilidade, ouvindo o cantar dos pássaros, pitando seus cigarros de palha, contemplando a beleza do entardecer, tomando café no bule, que fica sempre quentinho sobre o fogão a lenha e... - Não chegou a concluir quando o outro emendou:
- Não vejo assim!
- Como não vê assim!?
- Não vejo tanto marasmo, imagino diversos caboclos reunidos ao entardecer numa vendinha à beira de uma estrada poeirenta, eles rindo, falando da roça, do tempo e contando muitos causos...
- Causos, o que são causos?
- Não me diga que você nunca ouviu falar de causos!
- Já, mas devo ter me esquecido, o que significa?
- Ora, os caipiras chamam de causos as histórias que contam; na literatura são conhecidos por contos.
- Contos! Eles saem com tanta abundância assim!?
- Ora, eles saem naturalmente, fazem parte das conversas.
- Como sabe disso?
- Eu nasci num sítio e fui várias vezes com meu falecido pai à venda e, por diversas vezes, ficávamos horas ouvindo os causos.
- Para ser sincero, não acredito que eles saiam com tanta facilidade, se assim fosse, um escritor poderia participar de algumas rodas de conversas e já teria material para um livro!
- Pode acreditar que teria, e tem, tanto é que alguns escritores da nossa literatura fizeram isso, dentre eles o grande Guimarães Rosa que resultou na obra-prima Grande Sertão: veredas!
- Não quero me apresentar descrente, mas só acredito vendo!
- Pois bem, se é assim podemos ir até lá! Aceita o convite?
- Aceito. Digo mais, podemos sair amanhã bem cedo.
- Certo, amanhã à tarde já estaremos no Córrego do Cavalo, em Santa Albertina, lá na venda do seu Neco você vai comprovar o que digo.
O Sol não havia acordado e os dois já estavam prontos para a longa viagem. Uma forte garoa cobria aquela cidade cinzenta, os arranha-céus frios, ainda dormiam. Pouco tempo de viagem, nem haviam saído dos limites da cidade, um Sol amarelo opaco começou surgir no horizonte, semáforos, carros por todos os lados, um mar deles, buzinas, gritos, apitos, sons altos, palavrões, batidas, engarrafamentos, gente para todos os lados, ônibus lotados surgem apressadamente, parecendo querer atropelar a todos. Carros parados, estragados, sem gasolina, filas intermináveis, um detalhe pode ser observado, apesar do calor, mesmo o carro que não tem ar condicionado, está com os vidros fechados, é o medo dos assaltos. Agora visivelmente a cidade está acordando para valer, está a mil.
Três horas da tarde, o céu azul estava cheio de nuvens brancas como montes de algodão, um sol lindo, muito brilhante, dava mais cores àquela paisagem exuberante, o horizonte parecia engolir aquela estrada poeirenta e cheia de curvas, rodeada por arvoredos, morros e uma paisagem belíssima, digna dos melhores pintores, de quando em vez, a passagem do carro provocava uma revoada de pássaros, interrompendo sua refeição de sementes e insetos, tudo aquilo já demonstrava que eles estavam próximo à venda do seu Neco, destino final da viagem. Agora vários trechos com plantações agrícolas e sítios cheios de gado começavam a surgir, pássaros em revoada, a paisagem era bem diferente daquela a que eles estavam acostumados.
Não demorou muito e já estavam defrontes à modesta venda do seu Neco. Na chegada os cumprimentos de velhos amigos:
- Nestor, há quanto tempo não aparece por essas bandas!
- É, são mais de 17 anos vivendo enfurnado na cidade grande. Ah! Estava me esquecendo, este é meu amigo Celso.
A sessão relembrar continuou enquanto seu Neco servia um delicioso pão com fatias de mortadela e uma garrafa de tubaína, por aquelas bandas, um sanduíche tradicional.
Ao entardecer peões, chacareiros, sitiantes, enfim, os moradores daquela região começaram a chegar, vinham a cavalo, de bicicleta, a pé, tirando seus chapéus de palha, batendo nas calças empoeiradas, vinham sozinhos ou acompanhados, surgiam de todos os lados. Uns compravam produtos para levar para casa, outros apenas pediam uma dose de pinga, conhecida por “mata-bicho”, em seguida pediam um naco da lingüiça defumada, que estava dependurada num arame, e iam sentar num banco de madeira fora da venda e a prosa tem início. Nestor e Celso perceberam que era hora de tirar a prova de suas teimosias. Dirigiram a um grupo que conversava animadamente, pediram licença para sentarem-se juntos, todos se entreolharam desconfiados, mas educadamente concordaram. A princípio se sentiram incomodados com as presenças daqueles senhores de traços refinados, mas como não fizeram perguntas e nem começaram nenhum assunto, os homens do local reiniciaram seus diálogos, falavam das plantações, do gado, da pouca chuva, Celso já desconfiava que os ditos causos interessantes não eram tão comuns assim, mas a palavra chuva fez o Cardoso, um senhor alto, de bigode farto, lembrar de um fato:
- Olha, falando em chuva, eu nunca tinha visto uma como a que desabou no córrego do Macaco, onde eu morava antes de vir pra cá! Era um lugarejo com poucas casas, uma vendinha, uma farmácia pequena, uma igrejinha perto da praça e um campo de futebol. Num certo período choveu tanto no lugarejo, mas tanto que até as casas já estavam encolhendo e as pessoas embolorando. Depois de quase duas semanas de chuva constante, finalmente ela parou. As pessoas começaram a sair das suas casas, foi quando o filho do Tonico Roxo deu um grito avisando a todos de uma coisa estranha que ele havia visto. Com os berros do garoto todos nós corremos até lá. Para o nosso espanto, quando lá chegamos, vimos o garoto apontando para uma enorme bola branca em cima de uma árvore que ficava atrás da venda do seu Justino. Ficamos espantados com aquilo, cada um falava uma coisa, algumas pessoas mais curiosas subiram na árvore, cuidadosamente chegaram perto da bola branca e tocaram nela, era assim, macia, mas firme. O Nelson Araponga disse que, com certeza, era um disco voador e que a qualquer momento iria abrir uma portinhola e sairiam uns homens baixinhos e verdes, outros falavam que era um ovo de dinossauro que havia caído de outro planeta para onde eles foram. As discussões continuavam intensas, foi quando chegou o filho do Tonico Roxo, trazia consigo uma vara de bambu comprida e com a ponta em forma de espeto, alguns curiosos ralharam com o garoto, mas como a curiosidade é amiga do imprudente e sempre maior que o medo, valia a pena arriscar, até porque o risco maior seria do garoto, assim permitiram que ele espetasse a bola, todos se afastaram, o garoto apontou com bastante sofreguidão aquela enorme vara e, com determinação, empurrou-a para cima em direção à bola branca, quando a vara penetrou-a, nesse instante ouviu-se um estrondo muito forte, foi um “cabruuum” demorado, o garoto foi atirado longe, bem como todas as pessoas que estavam mais próximas, a bola havia estourado. Depois do susto e de se avaliar que ninguém havia se ferido gravemente, começou-se a especular sobre o ocorrido e o que era aquilo, finalmente Tonhão da Farmácia definiu a questão, o que foi aceito por todos, a bola branca na realidade era um trovão que caíra sem estourar.
Nesse instante as pessoas que estavam no grupo ouvindo a história se entreolharam, o senhor Eugênio olhou para o Cardoso e perguntou:
- Compadre, isso não é invenção, não?
- O que! Tá duvidando? Eu juro pela minha roça, que não chova nela por um ano se for mentira.
Nesse instante o Sabiá, um jovem agricultor, aproveitou para contar que lá no sítio em que morava com os pais, há muitos anos atrás, seu avô contava que, nas noites de lua cheia, aparecia um navio, daqueles com mastros e gente num baldinho que fica em cima dele, então, ele sempre navegava lá no córrego Escuro que ficava no fim do sítio...
- Mas, Sabiá... um navio no córrego Escuro! Não é muito, não!?
- Meu vô não mentia não, ele contava que o bichão estava lá porque o Capitão, que havia sido um homem muito bom, mas um dia a tripulação se amotinou... - a história seguiu, e logo veio outra.
Foi ai que o Dr. Celso chamou o amigo Nestor, apertou-lhe a mão, deu um sorriso e comentou:
- Admito, essa aposta você venceu com louvor!

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