domingo, 25 de outubro de 2009

O LIMITE DO PODER

A história que vou contar se passou numa pequena cidade do interior, uma cidadezinha igual a tantas outras que você conhece ou já viu pela televisão: uma igreja no centro da praça, duas agências bancárias, uma rua central onde o movimento é maior, bares com mesas de sinuca, dois grandes bancos de cimento junto ao ponto de táxi, onde, além dos taxistas, diversas pessoas ficam ali comprando e vendendo carros, gado, sítios, fazendas e falando da vida alheia, principalmente dos políticos.
Vamos direto ao ponto que ocasionou esta história. Para se chegar à dita cidadezinha há uma estrada ladeada por uma grande plantação de eucalipto este proporciona um aroma maravilhoso aos transeuntes. Várias curvas na estrada oferecem um visual bonito e misterioso, o grande problema é que poucos quilômetros antes de se chegar à cidade há um córrego de águas límpidas e pouco profundo ele corta a estrada e não tem ponte, aí está o problema, apesar do córrego ser raso, quando chove fica quase impossível transitar por ali, uma que as águas se avolumam e outra que o barro fica solto e pegajoso, devido a esse fato, o povo reclama há muito tempo, e, apesar de vários políticos terem prometido construir uma ponte no local, ninguém fez nada até o momento. O povo já não agüentava mais e resolveu dar um basta àquela situação, deu um ultimato ao atual prefeito, este por sua vez, com medo de perder votos, já que as eleições estavam se aproximando, decidiu chamar um engenheiro da capital para dar um parecer e fazer os levantamentos para a construção da bendita ponte.
A chegada do engenheiro foi comemorada com muita festa, foguetório e desfile da fanfarra municipal. Os trabalhos começaram, na cidade não se falava em outra coisa, o assunto da ponte dominava todas as rodinhas de bate papo. Passados alguns dias o engenheiro procurou o prefeito e disse que já tinha o parecer técnico e que gostaria de fazer os esclarecimentos numa sessão da câmara dos vereadores, como havia alguns pontos polêmicos achou por bem que a população também soubesse e entendesse. O prefeito ficou muito curioso, mas preferiu marcar uma bonita festa para comemorar o lançamento de construção da ponte, seria um marco na história do município, pensou o prefeito.
Segunda-feira, às vinte horas em ponto, dia de sessão semanal, o prédio da câmara estava totalmente tomado, nenhum vereador havia faltado, todos presentes para um momento tão importante. O prefeito se fazia acompanhar do vice e do Tonho Pastinha, um sujeito exótico que carregava sempre uma pasta preta embaixo do braço. O médico da cidade também se fazia presente e ao seu lado estava sua esposa, era a própria perua de cidade pequena, tentava aparentar superioridade, que estava muito acima dos problemas daquele povinho. Não faltaram também as esposas dos vereadores, a maioria rodeadas da rencas de filhos, a presença das famílias dos políticos é muito importante, configura um sinal de união e esse fato conta ponto para o homem público na cidade do interior. O único advogado da cidade também estava ali, de óculos escuros parecia mais um espião. O padre acompanhado do sacristão e de três carolas era outra figura que se destacava na festa de lançamento da ponte. Os gerentes dos bancos da cidade também se faziam presentes, afinal de contas eles representavam a opulência financeira. O juiz, outra figura “infaltável” nas solenidades do município, estava ausente tratando de assuntos importantes; na realidade estava cansado de tantas bajulações.
A sessão é aberta, o presidente da câmara aproveita para fazer um longo e cansativo discurso, no que é seguido pelos outros vereadores, afinal, dia de festa é dia para ser aproveitado politicamente, até o único vereador da oposição se fazia presente e, apesar de sempre usar seus discursos para atacar o prefeito, desta feita, até elogiou. Com a população já reclamando da demora e dos discursos enjoativos, o presidente da câmara convidou o engenheiro para ocupar a tribuna, enquanto ele caminhava, fazia-se um grande silêncio naquele lugar, todos estavam atentos. Depois de falar de todo o trabalho desenvolvido, das dificuldades encontradas e como foi possível chegar à conclusão que anunciaria, o resultado foi uma bomba:
- Depois de tudo que esclareci devo informar-lhes que não será possível construir a ponte naquele lugar.
A seguir foi um murmúrio só, estavam todos indignados, esperaram tanto para não dar em nada. Nesse instante um vereador levantou-se e fez a pergunta que todos gostariam de fazer:
- Por que não será possível a construção da ponte naquele lugar?
- Como expliquei, o que nos impede é a lei da gravidade. – Conclui o engenheiro.
Um vereador mais exaltado, querendo dar um basta na “problemática” resolveu oferecer a “solucionática”:
- Se o pobrema é a Lei da Gravidade, nóis derruba essa lei.
O Presidente da Câmara, com seu ar de quem sabe tudo, dá um sorriso irônico e emenda:
- Gostaria de alertar o nobre colega que não podemos derrubar a referida Lei!
O outro vereador indignado com a impossibilidade, volta a questionar:
- Por que não podemos derrubá “a referida lei”, nobre colega?
O Presidente da câmara estufa o peito e arremata com ar de superioridade intelectual:
- Não podemos derrubá-la, por ela ser uma Lei federal.

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