segunda-feira, 28 de junho de 2010

CONFISSÕES DE UM PERNA DE PAU

Meu nome é Tino - dispenso piadinhas, meu Tino não é diminutivo de cretino – bem, estabelecida a seriedade da minha confissão, declaro que sempre tive consciência que nunca fui bom de bola, só não sabia o quanto. A confirmação veio quando meu pai foi à cidade grande e comprou para mim: um par de chuteiras, um meião, um calção e, o mais importante, uma bola oficial novinha, quando ele chegou e entregou as roupas foi muito legal, mas quanto ele foi ao carro e de lá tirou a bola, meus olhos brilharam, foi uma alegria imensa, indescritível, fiquei boquiaberto, era bonita demais, nunca fui muito de abraços e carinhos com o meu velho, mas naquele dia não resisti, dei-lhe um abraço bem apertado, ele ficou surpreso e se fez de durão, cara de quem nunca gostou muito dessas intimidades. De posse da minha preciooosa, esperei o entardecer e corri para o campinho do bairro, mal podia esperar para ver a cara dos amigos quando me vissem de chuteira, meião e calção novo, só isso já seria um sucesso, até porque a maioria jogava descalço e com vestimentas bem surradas, mas a espectativa mesmo era pra quando eles vissem a bola, e não foi diferente do que imaginava, esperei para chegar quando a maioria já estava lá, o pessoal ficou encantado com meus trajes, mas a bola foi a sensação, todos queriam segurá-la, dar balõezinhos, eu só pedia: - Não sujem antes de começar o jogo, vamos estreá-la novinha!
Chegou a hora que eu mais esperava, o momento de escolher os jogadores de cada time, como de costume, os dois garotos considerados melhores do pedaço foram encarregados de escolher os times, era feito assim para não ficar os dois no mesmo time - se isso acontecesse desanimava o time adversário - de um lado Naldo, do outro Picolé (apelido por apostar picolés nas disputas de pênaltis, normalmente ganhava). Esse momento era muito importante, pois, normalmente, eu era o último ou um dos últimos a ser escolhido e, para piorar, sempre ficava para fora, acabava jogando muito pouco, mas naquele dia eu era o dono da bola, tinha que ser diferente. Começou a escolha, eu fiz questão de ficar com a bola debaixo do braço mostrando que o dono da bola estava ali e pronto para brilhar. Não fui o primeiro, mas fui o quarto do meu time, estava ótimo, caminhei todo orgulhoso e já joguei a bola no chão oferecendo-a aos meus companheiros, como se dissesse ao outro time:
- Viram, vocês não me escolheram antes, agora nós já estamos chutando a bola novinha!
Pronto, bola novinha no centro do gramado, digo, quase gramado, explico, grama mesmo era só alguns pedaços, a maior parte era terra dura. Mas vamos ao que interessa, bola reluzindo no meio do campo, eu fazendo aquecimento, quando o Naldo alertou:
- Estão passando dois jogadores no time de vocês e um no nosso! - Picolé olhou para todos e disse: - Tino e Cipó esperem lá fora, logo vocês entram! Aquilo foi um choque para mim, precisava tomar medidas drásticas, tinha que dar a carteirada, digo, bolada, do tipo – vocês sabem com quem estão falando! – e disse: - Eu tenho que entrar jogando!
Por que você tem que entrar jogando? – Perguntou Picolé, aparentando irritado.
- Oras, eu sou o dono da bola, se eu não jogar eu levo a bola e ninguém joga. – Falei com autoridade e peito estufado.
Os dois times se olharam, como se perguntassem – e agora? – Nesse instante, Picolé pegou a bola do meio do campo, chegou perto de mim e empurrou-a contra o meu peito e disse: - Então leva embora e some daqui.
Eu imaginei que alguém iria me defender, não porque gostasse muito do meu futebol, mas por interesse em jogar com a bola nova, mas ninguém falou nada, inclusive o Fininho correu perto do gol, pegou a bola velha soltando gomos e colocou no meio de campo e começou o jogo.
Bem, se eu tinha dúvidas se era ruim de bola, naquele dia comprovei que era muito ruim, nem sendo dono da bola resolveu meu problema.

terça-feira, 8 de junho de 2010

VIDAS CACETEADAS

Nós estamos acostumados a assistir, não só na televisão brasileira, mas uma mania mundial, as chamadas Vídeos Cassetadas, são cenas do dia a dia de pessoas comuns retratadas em momentos desagradáveis, são cenas de tombos, escorregões, trombadas, bolo na cara, cerimônias de casamentos desastrosas, enfim, são inúmeras cenas da desgraça alheia que nós, seres humanos, ao invés de nos compadecermos, rimos, muitas vezes, rimos só de lembrar. É até constrangedor, no seu dia-a-dia, um amigo ou um familiar escorrega e cai, normalmente não conseguimos nos segurar e, ao invés de ajudar, prestar nossa solidariedade, rimos, depois ficamos pedindo desculpas e tentando nos controlar para não rir novamente.
Cada pessoa tem um mico ou um fato desastroso e engraçado pelo qual passou ou viu e que não foi possível filmar. Eu já presenciei vários fatos, um ocorreu quando um certo pastor foi fazer a pregação na igreja onde eu estava, ele muito empolgado, fazia uma bela pregação, falava com eloqüência, quando tentou apoiar no púlpito e fazer uma indagação intimista: - Meus irmãos, sejam sinceros, vocês... - Nesse instante o púlpito, que era leve, tombou para frente, o pastor tentou segurá-lo, não conseguiu e desceu agarrado a ele os degraus que o separava da platéia, para piorar, quando chegou ao final dos três degraus ainda bateu com a testa na tábua do púlpito o que lhe proporcionou um belo galo. Ouvindo a platéia rir sem parar, com muita classe o pastor se levantou, ajudado por alguns fiéis que lhe pediam perdão por estar rindo, levou o “bendito” púlpito lá para cima, tentou retornar à pregação, mas cada vez que abria a boca o povo não se controlava e lá vinham os risos: - Chega, não dá mais - e foi embora.
Eu mesmo fui protagonista de uma cena constrangedora e desastrosa. Em 1971, com dez anos, morava numa cidadezinha do interior, cidade de mais ou menos nove mil habitantes, suas estradas eram todas de terra, não havia um palmo de asfalto se quer, naquela época, veículos motorizados eram poucos, principalmente por aquela região, existia mais as carroças de pneus de borrachas ou de roda dura, sem contar os carroções puxados por juntas de bois. Minha família tinha uma perua Rural, veículo motorizado apropriado para aquelas estradas poeirentas, cheias de buracos ou enlameadas. A Rural servia mais para transportar a família ou fazer entrega de mercadorias paras as pessoas que faziam compras no armazém do meu pai. Meus dois irmãos, cada qual tinham sua bicicleta, novinhas, por sinal, naquele sertão, quem tinha uma bicicleta já estava bem montado e as bicicletas deles eram moderníssimas; meu irmão mais velho, que era mais sistemático, mantinha sua bicicleta sempre impecável, até com um certo exagero, sua bicicleta tinha buzina, dois retrovisores, fitilhos nas duas extremidades do guidão e nas alavancas do freio, capa para o assento (selim), era um luxo só. É claro que havia bicicletas mais ousadas, ou mais bregas com flores de plástico no guidão, rádio, volante de carro, latinha nos raios para fazer barulho e chamar a atenção por onde passava, era a chamada bicicleta-bazar. Bem, as bicicletas dos meus irmãos não chegavam a tanto. A minha, por sinal era uma bem antiga, era de “terceira ou quarta” mão, mesmo assim, estava contente. Todas as manhãs, eu pegava minha bicicleta velha e ia buscar leite na casa da minha irmã que morava na vila de baixo. Numa certa manhã eu devia buscar o leite, havia chovido muito durante a madrugada, a estrada era um barro só, peguei minha bicicleta e já nas primeiras pedaladas arrebentou a corrente, não dava mais para ir, minha mãe deixou claro que devia buscar o leite de qualquer forma, caso contrário iria estragar, pois não havia geladeira na casa da minha irmã. E agora? Meu irmão do meio havia saído com sua bicicleta, sobrara apenas a do meu irmão mais velho, o difícil seria convencê-lo a emprestar o seu tesouro. Minha mãe teve que impor sua autoridade, ele fez um discurso e me fez prometer que iria num piscar de olhos, tomando o máximo de cuidado com sua princesa. Coloquei o litro vazio para trazer o leite na garupa da bicicleta, montei naquela máquina e já me senti nas nuvens, toda novinha, bonita, enfeitada, imaginei-me até mais bonito, fazia questão de passar perto de onde moravam meus amigos para que todos vissem, foi um sucesso, afinal era a primeira vez que meu irmão permitia usar sua bicicleta.
Tudo corria maravilhosamente bem, eu desviava das mínimas poças d´água e tentava não sujar a bicicleta, de repente, como num passe de mágica, olhei a minha frente e vi, a uma certa distância, vinha a loirinha pela qual eu era totalmente apaixonado, seus olhos verdes me deixavam maluco, lá estava ela, pensei: - Foi Deus que a colocou no meu caminho! Exatamente naquela hora que eu estava bem montado, seria demais, não tinha como ela não me notar. Continuei descendo com “meu carrão” e ela a pé. Pensei: - Quando passar perto direi um “oi” que ela nunca mais esquecerá, afinal, estou irresistível. Estávamos atravessando num caminho ao lado de um campo de futebol que ficava bem perto da igreja católica. E, quando eu disse caminho, eu não quis dizer estrada nem carreador, pois, estradas são relativamente largas e carreadores são estreitos, os caminhos são um meio termo, por ali passavam pessoas a pé, de bicicleta, de carroça... nesta ultima é que estava o problema, explico o porquê: dias antes da chuva havia passado uma carroça de roda dura e fez um rego, ou seja, um sulco no chão. Voltando a cena anterior, lá ia eu montado na minha máquina possante, começava a me preparar para dar o tão planejado “oi”, sabia que ela não era indiferente a minha presença, até já havia falado para minha mãe que gostava de mim, sentia que agora seria o golpe de misericórdia, ela não me esqueceria facilmente. Fui me preparando emocionalmente, chegando perto, para impressionar mais, soltei as mãos do guidão e segurei apenas nos fitilhos presos às luvas que cobriam as alavancas do freio, aí foi meu grande erro, pois, como foi difícil para aquelas luvas entrar nas alavancas do freio o meu irmão tinha passado óleo Sínger para ficar liso e facilitar a entrada, e, como tudo que entra fácil pode sair fácil, já imaginam no que deu! Quando estava chegando perto da minha princesa encantada a roda da bicicleta caiu dentro do rego feito pela roda dura da carroça, a bicicleta desgovernou, eu tentei segurar pelos fitilhos, nesse bendito momento um dos lados escapou e eu me “esborrachei” na lama, isso a poucos centímetros dos pés da amada que ao invés de me ajudar passou a rir de uma forma descontrolada, eu ali caído, todo enlameado, olhando para o farol da bicicleta quebrado e imaginando o problemão que teria com meu irmão e ela tirando sarro na minha cara. Depois daquele dia a paixão acabou, para piorar ela espalhou o mico para todo mundo da escola onde nós estudávamos. Posso dizer que meu primeiro amor não suportou a primeira “barreira” ou seria “lameira”?