quinta-feira, 29 de outubro de 2009

UM GRANDE AMOR PARA VIVER – Parte II

TRILOGIA – AMORES E DESAMORES – PARTE II

Eu estava com vinte e poucos anos e já contabilizava muitas mulheres na minha vida, mas já estava ficando angustiado, pois não conseguira ainda viver o tão propagado “grande amor”, mas eu tinha certeza que ele aconteceria e este seria meu objetivo de vida. Eu conheci amigos que trocou um grande amor por quantidade e se arrependeu
Os anos se passavam e eu zombava de amigos que se casavam jovem demais e normalmente se dizendo muito apaixonado, no fundo, confesso, tinha muita inveja, como muitos tinham inveja da facilidade que eu tinha para conquistar mulheres ou para atraí-las, mas no fundo trocaria todas pela tão esperada.
Tornei-me professor universitário, até acreditava que não meio de tantas mulheres daria mais oportunidade à chegada do grande amor, e me colocava a disposição, não me negava a elas, sempre fui muito dedicado, era o mais carinhoso possível: se elas gostam de homem carinhoso, cheiroso e romântico eu fui, namorei sempre mais de uma, queria ganhar tempo. Era sempre gentio, tanto com as casadas como com as solteiras, com o tempo ganhei fama de mulherengo e enganador, isso começou a afastar algumas e eu ficava triste, pois estava dando oportunidade para o azar, meu grande amor poderia ser uma dita certinha, mas eu segui na busca.
Fazia de tudo para impressioná-las, gastava muitas vezes o que não tinha - flores, teatros, cinemas, jóias, bons restaurantes - e, na maioria das vezes, conseguia, mas quando percebia que não era quem eu esperava seguia meu caminho as deixando chorosas, confesso que não gostava dessa parte, nunca gostei de ver mulheres tristes, chorando. Sorrindo elas são mais belas, inclusive, mulheres deveriam sorrir mais, elas não sabem o quanto ficam sedutoras.
Mulheres devem ser tratadas com carinho, muita atenção e dedicação, em contrapartida elas nos dão o que de melhor um homem dedicado pode merecer.
Eu nuca quis apenas usar as mulheres, eu as adorava e, por cima, sempre tive a esperança do grande amor, por diversas vezes imaginei estar vivendo um grande amor, mas bastava aparecer outra e lá estava eu, caído por ela e sendo visto como canalha pelas outras.
Os anos estão passando, não sou mais um garotinho, estou me desesperando, por onde andará a mulher que me foi reservada? Onde se encontra o “meu grande amor”? Será que cometi um erro tão grande que perdi o direito a ele?
Meu nome é Petter, o trecho acima eu retirei de parte do diário do meu mestre e amigo Nill, com era chamado, prefiro omitir seu nome. Eu o conheci quando ele foi meu professor de Sociologia e Filosofia na universidade em que cursava, eu fiquei encantado com seu jeito fácil de se relacionar com as pessoas e, principalmente, com as mulheres, eu cursava História e me prontifiquei em estar perto dele e aprender tudo, sua inteligência e sua facilidade com as mulheres, não foi difícil me enturmar, ele gostava de barzinho e da vida boêmia, amava wisque e vinhos dos melhores, eu não bebia, mas tive que aprender, ele era maravilhoso, sempre o vi com um Dom Ruan, ele sempre ensina a quem quisesse ouvir que um homem deve ser livre e que as mulheres gostam de homens livres, sonham em prendê-los para apresentar às amigas como troféu.
Numa noite estávamos bebendo num barzinho cercado de belas mulheres e uma notícia abalou Nill, ficamos sabendo que uma de suas ex-namoradas havia se suicidado por não aceitar a separação, eu senti que a partir dessa data ele ficou mais reservado e passou a beber mais. Ele já não era tão garoto, estava com mais de trinta e cinco anos, pelo seu exagero nas bebidas foi dispensado de algumas universidades e, passado um tempo, convidou-me a morar com ele, pois estava se mudando para uma cidade nova e estaria dando aula em uma outra universidade, com eu, até então era sustentado pelo meu pai e, agora estava formado e deveria buscar o meu caminho na vida, aceitei.
A casa não era muito bonita, a cidade não era tão grande, mais ou menos sessenta mil habitantes, foi lá que a situação piorou e ele passou a beber mais, nossa casa tinha litros e litros de wisque, muitos livros espalhados e freqüência de mulheres cada vez de níveis mais baixo, ele passou a freqüentar mais bordeis e boates, tinha a honra de dizer que ainda não estava precisando pagar às mulheres. O seu salário já era pouco e ele se encarregava de diminuí-lo com bebidas, como eu o acompanhava também tinha dificuldade em encontrar um emprego que me pagassem bem, era free lance, escrevi para alguns jornais, página na internet, aulas particulares e até jardinagens e pinturas de casas eu fiz.
A primeira e surpreendente descoberta em relação ao Nill foi quando ele me confessou que sua maior decepção foi nunca ter encontrado um grande amor, que se isso tivesse acontecido ele não teria dúvidas em vivê-lo com toda intensidade que um grande amor merece, iria cuidar e zelar tanto dele que poderia até sufocar a amada, nesse dia ele não estava tão bêbado e chorou muito, aquilo me deixou chocado, ele sempre fora meu ídolo, não na bebedeira, mas na independência e na imunidade ao amor, eu comecei a repensar o que estava fazendo com minha vida, pois diferente dele, eu lutava contra alguns amores que costumavam doer meu peito e eu resistia, não queria me mostrar frágil. Daquele dia em diante ele perdeu o medo de falar sobre sua expectativa em busca do tão sonhado “grande amor”.
A segunda e surpreendente descoberta foi quando apareceu uma garota de dezoito anos dizendo que era sua filha, que ficou sabendo há menos de um ano e que decidira buscar seu pai, disse que soubera após uma briga com seus avós, pois fugira de casa pela quarta vez, e se relacionava com pessoas que eles não aprovavam, na raiva a história saiu, o avô contou que sua mãe havia suicidado, ela estava grávida de oito meses e, milagrosamente, conseguiu ser salva. A principio Nill não aceitou a idéia de ter uma filha, brigou, esperneou, tentou expulsá-la, disse que não cuidava nem dele, quanto menos de uma pirralha, mudou até de casa para tentar se livrar dela, mas a linda garota, que mesmo Nill negando, era sua filha, tinha seu jeito, seu olhar e sua determinação, nessa época Nill estava com cinqüenta e um anos, trabalhando pouco, bebendo muito e tendo diversas mulheres a seu dispor, pois, apesar de seus cabelos grisalhos e um pouco mais gordo, continuava galanteador e bonito.
A menina disse que iria mudar sua vida e a de seu pai e foi perseverante, começou jogando toda a sua bebida fora, no que Nill ficou muito bravo, brigaram muito, mas ela era determinada e estava conseguindo domá-lo, eu já via Nill falando com certa preocupação em relação a ela, até expulsando de forma mais grosseira alguns rapazes que ele não achava ideal para ela. Nill começou a exigir que ela concluísse seus estudos, o que a garota relutou muito, já saímos a três e Nill zelava muito por ela, dançavam muito, Nill adorava dançar.
Nill me confessou, estava amando, amando como nunca esperava amar, e, por incrível que pareça um amor totalmente diferente do que ele esperava, amava sua filha, não como homem e mulher, mas como pai e filha.
Algo estava acontecendo comigo também, eu começava a me preocupar e até sentir ciúmes daquela linda garota, percebi que Nill já havia notado, sutilmente ele começou a me dar uma força.
Nill nunca parou totalmente de beber, mas evitava que sua filha o visse bebendo, e ela, por sua vez, quando descobria ficava muito brava. Eu via aqueles cuidados e a achava linda sorrindo ou brava daquele jeito, eu estava amando.
Pouco tempo após a formatura de sua filha, que foi uma grande festa, Nill faleceu de cirrose aos cinqüenta e quatro anos. No dia do seu velório não havia muita gente, destacavam diversas mulheres de preto e que choravam muito, uma garoa fina, de certa forma também chorava por Nill o homem que buscou tanto o grande amor e o encontrou na mulher mais improvável.
Hoje estou casado com a filha de Nill e nos amamos por nós e por ele, uso com ela todas as técnicas de conquista que Nill me ensinou, com uma diferença, não para conquistar outras, mas para conquistar minha amada todos os dias.

domingo, 25 de outubro de 2009

AMOR DO PASSADO - Parte I

TRILOGIA - AMORES E DESAMORES - PARTE I

Meus vinte e um anos não me davam segurança para ter certeza que ela era a mulher para toda a vida. Eu já estava descobrindo os prazeres que podia encontrar em mulheres mais liberais. Ela era pura, santinha demais para as minhas intenções, apesar dos seus dezoito anos, ela que fora criada em fazenda e frequentando igreja, era inocente demais para imaginar que eu já experimentava outros frutos, supostamente, proibidos.
Eu a amava muito, meu coração se enchia de alegria quando a via vindo em minha direção, ela era um anjo, parecia flutuar: sua boca, sua pele, seu cabelo, seu perfume, tudo me encantava, eu amava sua voz rouca, seu sorriso fácil e, por mais que a desejasse ardentemente, eu respeitava sua maneira recatada e sua inocência, não tinha coragem de exigir nada, nem prova de amor, estava tão apaixonado que amava até sua foto que eu carregava na carteira, mas apesar de tamanho amor, não resistia aos encantos e a liberalidade de outras e mais outras.
Estava vivendo a vida adoidamente, mas ela começou a perceber minha vida dupla, talvez alguém tenha alertadi-a, comecei notar que a cada dia ela se afastava um pouco mais de mim, percebia que estava perdendo-a. Ela não cobrava muito, mas era visível que sofria calada, seu sorriso estava triste, ela estava muito magoada e o pior, eu tinha consciência que ela não merecia viver aquela situação, sabia que estava sendo canalha, mas meus desejos eram maiores que minha consciência, a dúvida me deixava confuso: ou me entregar a ela e viver um grande amor e depois me arrepender por tudo que não fizera, ou viver os amores, os prazeres que outras podiam me dar e ver o que o futuro me reservara.
Imaginava que se me entregase totalmente a ela poderia me sentir um pássaro preso em uma gaiola de ouro e, naquele momento, preferia aventuras: voar, farrear, amigos, festas, mulheres, era muito a abandonar, adorava estar com ela, mas sentia inveja dos amigos por estarem livres, leves e soltos. E voei, voei para longe dela, ela ficou, ficou e chorou, apesar do sofrimento aparentava estar preparada, parecia saber que esse momento ia chegar, o pior, ela não tentou me impedir, aceitou resignada.
Eu Sabia que ela chorava, mas não me procurou. Por diversas vezes senti que deveria voltar e ocupar para sempre o lugar que era só meu, mas não voltei, não voltei por sentir que ela era muito pura e eu tão devasso, comigo ela seria infeliz.
Ela continuava morando na mesma casa, na mesma cidade, mas estávamos tão distante, em diversos momentos eu até achei que estava esquecendo aquele amor, isso me dava convicção que havia tomado a decisão certa, encontraria em outros braços o amor que sentia por ela, e quando esse amor chegasse já teria vivido o bastante para querer um amor daquele. - Isso é o que achava olhando pro meu próprio umbigo e imaginando que o mundo girava por minha causa.
Em diversos momentos de preocupação e ciúmes acompanhei alguns namoricos seus, nunca ia longe demais, algumas amigas sempre me contavam que o amor que ela sentia por mim atrapalhava seus namoros, aquilo me enchia de orgulho. No auge da minha arrogância tive certeza que ela não encontraria um amor como o que eu lhe dei, e, se ela esperasse, assim que me cansasse das aventuras, voltaria para ela e assim viveríamos uma bela história de amor.
Não demorou muito e alguém de longe apareceu, logo começaram a namorar, eles não tinham nada em comum, ele era diferente de mim, não daria certo, acreditei que ela continuaria a me buscar em outros amores. Eu estava errado, para minha infelicidade, só fui cair na real quando recebi um convite para seu casamento, entrei em desespero, pensei em procurá-la, mas a dúvida encheu meu coração: ofereceria o que? Dizer que me casaria com ela no lugar dele e abrir mão de tudo? Eu era muito novo, tinha muito a viver, como pensava – havia muitas mulheres esperando para me amar! Não, não iria me deixar aprisionar, então tomei a decisão - não atrapalharia seu casamento - e mais, no meu ataque frequente de egoícentrismo, acreditei que ela estava tentando me substituir, que era uma fuga e ela seria infeliz.
Um dia anterior ao do seu casamento eu viajei, fui fazer turismo, foram dias de boates, mulheres, bebidas, noitadas, amigos, foi maravilhoso, mas eu tive que voltar. Logo que cheguei já vieram me contar que ela estava linda, que ela havia chorado – eu pensava: - Chorou por estar pensando em mim, ela deve ter esperando que eu fosse impedir o casamento!
Por muito tempo fiz tipo, declarava que não me interessava de como ela estava, na realidade, eu não conseguia parar de pensar nela, algo estava saindo errado. Eu segui meu caminho, namoradas, mulheres fáceis, festas, amigos, bebedeiras, quando estava com outra só pensava nela, comecei a perceber que havia perdido o grande amor da minha vida, o pior, tinha notícias que ela estava muito feliz, passei a agir irresponsavelmente, morrer não seria um péssimo negócio, mas tinha que ser de uma forma natural, era tão orgulhoso que não gostaria que ela pensasse que teria sido por ela.
Agora, teoricamente, era um homem livre como um passarinho solto na floresta, estava cheio de amores, mas continuava prisioneiro daquele sentimento e estava caindo na real, ela estava conseguindo viver sem mim, mas eu não estava nada bem sem ela.
Pouco tempo depois do casamento ela se mudou da cidade, foi para bem distante, eu fiquei, o pior para mim, dela só ficou a saudade que fez morada em meu coração, saudade que se tornou minha mais fiel companheira, que dormia ao meu lado e acordava como se fosse minha sombra, era prisioneiro de um amor que reneguei.
Por mais que a procurasse, descobri tarde demais que outros lábios não tinham o mesmo sabor, em outros braços não encontrava o mesmo calor, por querer diversidade perdi a chance de viver o verdadeiro amor. Ela se tornou o passado mais presente do meus amargurados dias.
Os anos foram passando e eu a buscava em cada novo caso, depois de muito procurar acabei me unindo a alguém que imaginei ser um pouco parecida com ela, mas não adiantou muito, foi mais uma pobre vitima que cruzou meu caminho, hoje sei que ela sofre, sei que ela me ama, eu me esforço, mas não consigo ser inteiro, a maior parte de mim continua com o amor do passado.
Qualquer música que ouvíamos juntos, lugares que conhecemos e até cenas de filmes que vimos é uma parte dela a me punir. Tenho impressão que hoje a amo mais que amava naquela época, não se passa um dia que eu não pense nela. Hoje sei que na dúvida e na arrogância eu arquitetava meu próprio castigo. Ontem eu a fiz chorar, hoje quem chora sou eu.
Você amigo, pode até me perguntar: - Por que não a procura e tenta dar-lhe esse amor? Eu lhe repondo, eu perdi esse direito, perdi a melhor parte da história ou de construir uma história com ela. Sei que merecidamente ela é feliz, enquanto eu sofro. Depois de conhecer a parte que me coube na minha história percebi que perdi a chance de ser verdadeiramente feliz.
Perdoem-me as mulheres que me tiveram depois dela, não consegui ser inteiro, pois sou apenas o resto de um lindo amor, que por medo, ambição e egoímo perdi o direito de vivê-lo.
* Essa história é fictícia e serve para uma reflexão:
Um passado longínquo sempre nos dá a impressão de que seria melhor que o presente. Acredito que o dia a dia desgasta os relacionamentos e nós nos fixamos em uma idéia fantasiosa que aquele amor do passado teria dado certo, seria o amor para toda vida. Se assim fosse todos que se casam com o amor da juventude ficariam unidos e felizes para sempre.
Talvez, quem sabe e tantas outras dúvidas pode ser a nossa dificuldades em vivermos por inteiro e sem medo cada momento da nossa vida para não nos arrependermos depois. Invista na pessoa ao seu lado para não descobrir que mais uma vez, deixou passar um grande amor.

Amor I Love You - Marisa Monte e Arnaldo Antunes

UM PALMEIRENSE NA TORCIDA CORINTHIANA

Rafael Taveira Sarro, conhecido como Rafa, um jovem franzino de dezenove anos, palmeirense apaixonado, desce do lotação apressadamente, vai correndo em direção ao estádio do Morumbi, está atrasado para o clássico de maior tradição e rivalidade do futebol paulista, porque não dizer do Brasil: Palmeiras joga contra seu arqui-rival Corinthians, é o tipo de jogo que não acontece por si só, traz consigo anos de tradição e rivalidade; são histórias e mais histórias que cercam esse clássico, o confronto não é só em campo, mas também entre os torcedores, a derrota de qualquer uma das equipes é a mesma sensação de perder uma final de campeonato.
Pelos gritos das torcidas Rafa imagina que o jogo deva estar disputadíssimo, não pôde vir antes, tivera um compromisso inadiável, com isso perdeu a companhia da sua galera. Chega correndo e entrega o ingresso comprado antecipadamente, passa por uma revista e logo está subindo os degraus que dão acesso ao campo, vai muito apressado, de repente, como num passe de mágica, lá está o campo, jogadores correndo de um lado para o outro, enquanto dirige-se ao local onde irá sentar, não tira os olhos do campo, o Palmeiras está no ataque, a bola de pé-em-pé, já está na grande área, o jogador palmeirense chuta e ela bate na defesa corinthiana, volta ao pé de um atacante palmeirense, Rafa caminha como se estivesse hipnotizado, não desgruda os olhos do campo. Novamente a bola bate num jogador do Corinthians e sai para escanteio, o coração do jovem Rafa parece querer sair fora do peito, está mais acelerado que carro de Fórmula 01 na reta final. O jogador bate o escanteio, a bola é cabeceada e choca-se contra o travessão do gol Corintiano, sobe e sai. Rafa com os olhos grudados no lance, passa as duas mãos fortemente pelos cabelos e dá o famoso, uuuh! Nesse instante começa ouvir gritos, palavrões e mais palavrões, do tipo que a censura não permitiria detalhar aqui, Rafa se pergunta: - para quem seria tudo aquilo? Quando olha a sua volta, percebe que foi parar no meio da torcida Gaviões da Fiel, do Corinthians; porco imundo - é elogio comparado ao restante do que estão dizendo sobre ele. E agora? Pensa em correr, não tem mais jeito, em instante encontra-se cercado por dezenas de torcedores do Corinthians, sente que é seu fim, será que vão jogá-lo para baixo? Rafa está desesperado, sabe que cometeu um erro fatal. Os torcedores avançam sobre ele como pitbulls, o pequeno Rafa põe a mão sobre a cabeça, sabe que só um milagre pode salvá-lo, não havia nenhum policial por perto, os outros torcedores da arquibancada gritam como loucos:
- Mata, mata!
- Esfola.
- Joga pra baixo.
De repente um crioulo de mais ou menos dois metros de altura, interpõe-se aos outros e pede que parem, ninguém ousa desafiá-lo:
- Deixa comigo, este é meu.
Rafa olha para o crioulo e o sangue parece ter ido todo para o calcanhar, já começa imaginar os pais e amigos chorando no velório dos seus restos mortais, isso mesmo “restos mortais”. Os braços do crioulo corinthiano parecem duas toras, em cada bíceps uma tatuagem mais horrenda que a outra. Se aquilo tudo era para impressionar alguém... já havia conseguido, Rafa estava desesperado.
O crioulo segurou forte a gola da camisa do pobre Rafa, olhou-o com raiva e disse:
- Olha aqui, porco nojento, você vai se sentar ao meu lado, eu juro pela minha mãezinha, se durante o jogo você não levantar uma sobrancelha sequer para vibrar com seu time, ao final da partida você está livre, caso contrário, não sai vivo, certo!? Rafa engoliu seco, apenas balançou a cabeça. É, realmente a coisa não estava bonita! Rafa senta-se ao lado do crioulo, fica imóvel como uma estátua, quando arrisca um olhar de “rabo de olho” vê metade da torcida corinthiana com olhares flamejantes, louca para triturá-lo, volta e recolhe-se na sua insignificância.
O jogo prossegue com lances belíssimos dos dois lados. A cada jogada uma ou outra torcida levanta-se, grita, berra, xinga o juiz, e Rafa está lá, quieto, quase imóvel. Inveja seus amigos que, do outro lado, torciam livremente, agora entendia a palavra opressão.
Um lance perigoso, o jogador do Corinthians ajeita a bola com o braço e chuta, é gol, a massa corinthiana vibra, grita de alegria. Do outro lado a torcida do Palmeiras xinga, vaia, os jogadores correm para cima do juiz, a confusão está armada. O pobre Rafa continua lá, paradão, não move nem as sobrancelhas, por dentro uma revolta terrível, tem vontade de gritar, falar palavrões, mas olha de resvalo e lá esta o paredão humano, sorrindo de orelha-a-orelha, recolhe-se, é melhor para sua saúde. Vivendo toda essa situação, Rafa se põe a repensar a vida, ele que cresceu numa família liberal, trabalha com um amigo do seu pai, um patrão muito tolerante, sempre teve prestígio junto a sua galera, agora se encontra naquela situação difícil, numa escravidão.
Foi no intervalo do jogo que aconteceram os piores 15 minutos que já vivera, foram intermináveis. Como os seus algozes não tinham nada para fazer ou olhar, passaram a infernizar o pobre Rafa, ele virou o centro das atenções, gracinhas de todos os tipos, cascudos na cabeça, apelidos dos mais cabeludos possíveis, quando achava que a tortura havia acabado, logo recomeçava tudo novamente, sua camisa oficial do Palmeira já virara regatas, as mangas eram disputadas a tapas entre os torcedores mais próximo, todos queriam tirar um pedaço, Rafa pensa: – Antes ela do que eu.
O jogo recomeça, com ele volta a angústia, o Palmeiras perdia por um a zero, um gol seria sua vingança, já que não podia escapar do julgo dos seus algozes. A tortura estava chegando ao fim, 45 minutos do segundo tempo, um jogador palmeirense pega a bola no meio de campo e lança para o centroavante, este mata no peito e, sem deixar a bola cair, dá um chapéu no zagueiro, o goleiro sai desesperado, o centroavante, com muita categoria, coloca a bola por entre suas pernas, é gol. A torcida Palmeirense vai ao delírio, fogos, bandeiras agitadas, gritos, é uma festa, os jogadores lá em baixo correm de um lado para o outro, além de ter sido um dos mais belos gols, era o que dava a classificação. Rafa estava lá, silencioso no meio de uma torcida muda e raivosa, ele tinha medo até de se trair com um risinho. Olhou de resvalo e percebeu que o crioulo estava fitando-o com ódio, com muita seriedade Rafa virou-se e murmurou:
- Bonitinho o gol, né! – em seguida voltou ao seu cárcere. Ele teve certeza de ter visto o crioulo sorrir.

O LIMITE DO PODER

A história que vou contar se passou numa pequena cidade do interior, uma cidadezinha igual a tantas outras que você conhece ou já viu pela televisão: uma igreja no centro da praça, duas agências bancárias, uma rua central onde o movimento é maior, bares com mesas de sinuca, dois grandes bancos de cimento junto ao ponto de táxi, onde, além dos taxistas, diversas pessoas ficam ali comprando e vendendo carros, gado, sítios, fazendas e falando da vida alheia, principalmente dos políticos.
Vamos direto ao ponto que ocasionou esta história. Para se chegar à dita cidadezinha há uma estrada ladeada por uma grande plantação de eucalipto este proporciona um aroma maravilhoso aos transeuntes. Várias curvas na estrada oferecem um visual bonito e misterioso, o grande problema é que poucos quilômetros antes de se chegar à cidade há um córrego de águas límpidas e pouco profundo ele corta a estrada e não tem ponte, aí está o problema, apesar do córrego ser raso, quando chove fica quase impossível transitar por ali, uma que as águas se avolumam e outra que o barro fica solto e pegajoso, devido a esse fato, o povo reclama há muito tempo, e, apesar de vários políticos terem prometido construir uma ponte no local, ninguém fez nada até o momento. O povo já não agüentava mais e resolveu dar um basta àquela situação, deu um ultimato ao atual prefeito, este por sua vez, com medo de perder votos, já que as eleições estavam se aproximando, decidiu chamar um engenheiro da capital para dar um parecer e fazer os levantamentos para a construção da bendita ponte.
A chegada do engenheiro foi comemorada com muita festa, foguetório e desfile da fanfarra municipal. Os trabalhos começaram, na cidade não se falava em outra coisa, o assunto da ponte dominava todas as rodinhas de bate papo. Passados alguns dias o engenheiro procurou o prefeito e disse que já tinha o parecer técnico e que gostaria de fazer os esclarecimentos numa sessão da câmara dos vereadores, como havia alguns pontos polêmicos achou por bem que a população também soubesse e entendesse. O prefeito ficou muito curioso, mas preferiu marcar uma bonita festa para comemorar o lançamento de construção da ponte, seria um marco na história do município, pensou o prefeito.
Segunda-feira, às vinte horas em ponto, dia de sessão semanal, o prédio da câmara estava totalmente tomado, nenhum vereador havia faltado, todos presentes para um momento tão importante. O prefeito se fazia acompanhar do vice e do Tonho Pastinha, um sujeito exótico que carregava sempre uma pasta preta embaixo do braço. O médico da cidade também se fazia presente e ao seu lado estava sua esposa, era a própria perua de cidade pequena, tentava aparentar superioridade, que estava muito acima dos problemas daquele povinho. Não faltaram também as esposas dos vereadores, a maioria rodeadas da rencas de filhos, a presença das famílias dos políticos é muito importante, configura um sinal de união e esse fato conta ponto para o homem público na cidade do interior. O único advogado da cidade também estava ali, de óculos escuros parecia mais um espião. O padre acompanhado do sacristão e de três carolas era outra figura que se destacava na festa de lançamento da ponte. Os gerentes dos bancos da cidade também se faziam presentes, afinal de contas eles representavam a opulência financeira. O juiz, outra figura “infaltável” nas solenidades do município, estava ausente tratando de assuntos importantes; na realidade estava cansado de tantas bajulações.
A sessão é aberta, o presidente da câmara aproveita para fazer um longo e cansativo discurso, no que é seguido pelos outros vereadores, afinal, dia de festa é dia para ser aproveitado politicamente, até o único vereador da oposição se fazia presente e, apesar de sempre usar seus discursos para atacar o prefeito, desta feita, até elogiou. Com a população já reclamando da demora e dos discursos enjoativos, o presidente da câmara convidou o engenheiro para ocupar a tribuna, enquanto ele caminhava, fazia-se um grande silêncio naquele lugar, todos estavam atentos. Depois de falar de todo o trabalho desenvolvido, das dificuldades encontradas e como foi possível chegar à conclusão que anunciaria, o resultado foi uma bomba:
- Depois de tudo que esclareci devo informar-lhes que não será possível construir a ponte naquele lugar.
A seguir foi um murmúrio só, estavam todos indignados, esperaram tanto para não dar em nada. Nesse instante um vereador levantou-se e fez a pergunta que todos gostariam de fazer:
- Por que não será possível a construção da ponte naquele lugar?
- Como expliquei, o que nos impede é a lei da gravidade. – Conclui o engenheiro.
Um vereador mais exaltado, querendo dar um basta na “problemática” resolveu oferecer a “solucionática”:
- Se o pobrema é a Lei da Gravidade, nóis derruba essa lei.
O Presidente da Câmara, com seu ar de quem sabe tudo, dá um sorriso irônico e emenda:
- Gostaria de alertar o nobre colega que não podemos derrubar a referida Lei!
O outro vereador indignado com a impossibilidade, volta a questionar:
- Por que não podemos derrubá “a referida lei”, nobre colega?
O Presidente da câmara estufa o peito e arremata com ar de superioridade intelectual:
- Não podemos derrubá-la, por ela ser uma Lei federal.

sábado, 24 de outubro de 2009

O ATRASO DO SOL

Inicia-se o horário de verão, como é de costume, nos primeiros dias as pessoas acordam sonolentas, pois, nesse período do ano adianta-se o relógio em uma hora, assim, quando em outras épocas do ano acorda-se ás sete horas, agora se deve acordar o equivalente às seis horas, para quem trabalha em locais mais distantes é um sufoco, pois quando saem para trabalhar ainda é noite.
O horário de verão começava com tudo, mas aquele dia seria diferente. Os trabalhadores já estavam acordados: a lavadeira já carrega sua trouxa de roupa suja para ser lavada na beira do riacho, o leiteiro já fez suas entregas, o padeiro distribui seus pães quentinhos pela vizinhança, o sapateiro dá suas marteladas em pregos e tachinhas consertando sapatos que ainda irão se arrastar muito nos pés de pessoas que não tem condições de comprar um novo. Bem, pelo que se nota o dia começou a mil...
- Espera aí, não está faltando alguma coisa nessa história? Não vai ser dito que começa um dia lindo e que o Sol brilha com todo seu esplendor!?
- Não, infelizmente não é isso que está acontecendo, nesse dia tudo ainda está escuro, como se fosse chover muito forte. As pessoas levam seus guarda-chuvas, preparadas para o pior. Interessante, os mais atentos podem notar que não há nem um raio a iluminar os céus e nem o barulho típico dos trovões! Afinal, o que está acontecendo!?
Para os mortais era mais um dia, como diz no interior “um dia fechado”. É, pelo que tudo indicava o tempo ia fechar mesmo. Muito além da imaginação humana as coisas não estavam boas para alguém. Não está entendendo? Vamos aos fatos.
Nesse dia o Sol estava chegando atrasado ao serviço, silenciosamente chegava nas pontas dos pés e quando estava preparado para bater o cartão...
- Muito bonito senhor Sol! Isso é hora de alguém de responsabilidade chegar para trabalhar!? – um Velhinho de barba branca e longa, encostado na parede próximo ao relógio-ponto, observava tudo e agora esbraveja:
- Como poderemos ter um dia bonito de verão, como poderemos receber elogios pelo belo dia de sol se o senhor me chega a essa hora para trabalhar! O Sol, vermelho de vergonha, abaixa a cabeça e tenta dar uma desculpa: - Sabe que é Senhor, é que ontem eu... eu. – até tentou justificar, mas Ele continuou a bronca:
- Como pode ser tão relapso, todos lá embaixo já estão acordados e você dormindo até uma hora dessa! Fique sabendo que vai ser descontado do seu salário.
- Desculpe-me Senhor, eu...
- O pior é que a Lua também se recolheu mais cedo, tenho certeza que foi por influência sua, como pode explicar?
Ainda mais vermelho, cabeça curvada em sinal de respeito e arrependimento, o Sol balbucia algumas palavras que saem com sofreguidão:
- Vou contar a verdade, ontem durante o dia, Marte passou por mim e avisou que haveria uma festa na casa da Estrela D’Alva, daí, sabe né... de madrugada quando já estava de saída a Lua apareceu, chamou-me para dançar, relutei, mas, afinal, achei que seria uma desfeita recusar o pedido de uma dama e aceitei ficar mais um pouco, quando percebi, já havia passado da hora.
Pelo jeito a desculpa não foi muito convincente e a bronca foi feia, pois o dia foi daqueles em que as pessoas dizem: - “tá um dia tão estranho”.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A BARATA É A ESPERANÇA

- ... olha, amigo, vou dizer para você, a coisa tá brava! Eu já tou perdendo a esperança!
- Falando nisso, você sabia que o símbolo da esperança é a barata?
- Você abilolou de vez! Eu estou falando de crises financeiras, crise moral, crise ética e você vem com essa palhaçada!
- Relaxa, você está muito estressado! Sem contar que eu também estou falando de um assunto sério, inclusive baseado em dados científicos!
- Só me faltava essa, baseado em dados científico! – Fala em tom de ironia. – Quem é o cientista? Você?
- Tá, vou explicar! Os estudos foram feitos por cientistas sérios, só a conclusão é minha, siga meu raciocínio: - Conforme estudos, pela resistência da barata, resistência a tudo, até a inseticida, e pela facilidade em se esgueirar pelos lugares mais apertados e improváveis, mesmo no caso de uma guerra nuclear, que quase toda forma de vida morreria, a barata teria mais chance de sobreviver, ou mesmo, seria a última a morrer.
- O que isso tem a ver com a esperança?
- Ora, se a esperança é a última que morre, e a barata seria a última a morrer, logo, a barata é a esperança.
- O outro de boca aberta em tom de deboche:
- Tô bobo! A partir de hoje a minha vida não será mais a mesma!